Artigo – André Lara Resende, “Consenso e Contrassenso: Por uma economia não Dogmática”

  • 11 de fevereiro de 2020
  • Artigo

Por Eduardo José Monteiro da Costa – Doutor em Economia Aplicada pela Unicamp e professor da UFPA. Correio eletrônico: [email protected]


Deparei-me casualmente com uma entrevista que o economista André Lara Resende concedeu ao jornal Valor Econômico (07/02/2020) sobre o seu mais recente livro, “Consenso e Contrassenso: Por uma Economia Não Dogmática”, lançado pela Portfolio-Penguin. Iniciei uma leitura despretensiosa, mas aos poucos fui fazendo algumas anotações como quem ousava dialogar com o conteúdo do entrevistado. Ao final resolvi sistematizar as anotações dos pontos que mais me chamaram a atenção e torná-las públicas.

Juros, dívida pública, inflação e crescimento econômico

O ponto de partida da entrevista se dá a partir da constatação de que a política de juros altos, aplicada durante muito tempo no país, não contribuiu para o combate à inflação, tendo um impacto decisivo no aumento da dívida pública e na baixa taxa de crescimento da economia brasileira. Durante muito tempo sempre me manifestei sobre a inexistência de uma explicação teórica consistente sobre a “ilógica lógica” desta política de juros altos praticado pelo Banco Central nos governos de Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer. A política de juros altos, além de frear o volume de investimentos da economia, promoveu o maior programa de transferência de renda do mundo, o “Bolsa Banqueiro”, que canalizou boa parte da poupança pública para fundos financeiros. A ousadia com que o atual governo vem tratando a redução da taxa SELIC demonstra cabalmente que a manipulação das taxas de juros nos governos anteriores era uma opção discricionária de política monetária desatrelada de rebatimentos reais na taxa de inflação, logrando, contudo, consequências sociais desastrosas: baixo crescimento econômico, aumento da dívida pública e desequilíbrio fiscal.

Ausência de um Projeto de Nação

Lara Resende faz um comparativo entre a China e o Brasil. Segundo ele, enquanto a renda da China é hoje 18 vezes superior ao que era há 40 anos, a do Brasil não alcança o dobro do que era em 1979. Neste ponto é possível destacar que a Nova República, em que pese ter alcançado inúmeras conquistas, sobretudo a retomada do processo democrático, não conseguiu consolidar um Projeto de Nação capaz de ancorar um processo de alargamento das conquistas sociais mediante um processo de crescimento econômico sustentado. Pelo contrário, logrou ao país três décadas perdidas em 40 anos, impedindo a superação do fosso entre o Brasil arcaico e o moderno. Na perspectiva de Lara Resende, com quem eu concordo, boa parte da explicação deste fenômeno decorre de “uma armadilha ideológica imposta pelos cânones de uma teoria macroeconômica anacrônica”. Assim, grupos econômicos e políticos, agindo em conluio, conquistaram por meio do processo democrático a diretriz da condução da política macroeconômica brasileira e agiram em causa própria, sob a desfaçatez de um discurso quase sempre populista e demagogo.

A necessidade de se repensar o Estado

Em certo momento Lara Resende apresenta aquilo que ele chama de “obsessão com a ideia do equilíbrio orçamentário” que teria ganhado espaço a partir de 2008. O entrevistado está certo quando questiona o problema da contradição da “austeridade expansionista”, não havendo em economia uma relação binária determinística entre variáveis. Ou seja, toda relação depende da análise de seu contexto. Não obstante isso, os diversos equívocos na condução da política macroeconômica (fiscal, monetária e cambial) causaram um desequilíbrio fiscal crônico nas contas públicas de difícil reversão no curto prazo, com a socialização de seu ônus inevitável. Como resultado deste processo assistiu-se nas últimas décadas um aumento dos gastos públicos, ao lado do aumento da carga tributária, sem um debate necessário sobre a qualidade dos gastos. O Estado brasileiro tornou-se agigantado, ineficiente, burocrático e perdulário. Neste contexto, o Estado deixou de servir a sociedade, ao invés disto, a sociedade tornou-se uma serviçal do Estado brasileiro. É nesse contexto que o crescimento do ideal liberal no país trouxe um contraponto mais do que necessário para que se possa repensar adequadamente o Estado em nosso país, por meio de um contraponto ao pseudo keynesianismo, manifesto no populismo fiscal.

O perigo do “Estado corporativista”

Ao discutir o papel do Estado, Lara Resende adverte para o risco do “Estado corporativista”, que volte a gastar de “forma conspícua, favorecendo a própria corte, a aristocracia e seus ocupantes”. Ou seja, chama a atenção para o perigo do Estado ser novamente sequestrado pelos “donos do poder” ou por agentes da burocracia que acabem defendendo os seus “próprios interesses”. Por outro lado, afirma que: “O que cria mercado competitivo e competente, produtivo, é um Estado competente e com consciência da importância do mercado competitivo”.

Essa afirmação nos permite trazer à tona um debate importante. Sem cair numa visão romântica de que o “mercado” em um país subdesenvolvido irá sozinho gestar um processo virtuoso de desenvolvimento (crescimento com melhoria dos indicadores sociais), também não podemos aceitar a velha e ultrapassada visão de que cabe ao Estado a condução primaz dessa dinâmica. Ou seja, se há uma questão central a ser enfrentada na atual conjuntura é o papel a ser desempenhado pelo Estado. Mais do que nunca precisamos de um Estado que se torne indutor de uma dinâmica de investimento privado autossustentada, fornecendo o ambiente macroeconômico adequado.

O Estado e a democracia representativa

Ao discutir o papel do Estado, Lara Resende afirma corretamente que o problema do Estado é um problema político. E, no contexto contemporâneo, sobretudo com uma sociedade cada vez mais conectada nas mídias sociais, o controle social e o grau de participação da sociedade nas “agendas públicas” tendem a ser intensificados. É nesse ponto que Lara Resende questiona a viabilidade para a gestão do Estado do processo de “radicalização da democracia”, defendido por algumas correntes progressistas. Conforme afirma o entrevistado: “Questões de Estado são complicadas demais para serem tocadas por assembleias populares”. Esse ponto colocado por Lara Resende reacende o necessário o debate sobre a natureza divergente entre democracia e república.

Conclusão

Os pontos elencados estão longe de esgotar as questões tratadas por Lara Resende em sua entrevista para o Valor Econômico. A entrevista é mais completa e apresenta uma rica discussão sobre políticas fiscal e monetária, inflação, juros, dívida pública, dentre outras. Contudo, os pontos listados foram os que mais me chamaram atenção.

A partir deste filtro, o posicionamento de Lara Resende merece ser mais bem compreendido, sobretudo pelo fato dele estar corajosamente se posicionando para além das bolhas ideológicas existentes. Autor conceituado como um economista liberal, não apresenta, contudo, uma visão reducionista e romântica da economia, e nem se arvora a uma defesa de uma Estado mínimo na economia. Ao contrário, instrumentaliza e enriquece o debate atual trazendo à baila a necessidade de um amplo e sério debate sobre temas relacionados ao Estado e à gestão de políticas macroeconômicas. É nesse sentido que o livro recentemente lançado “Consenso e Contrassenso: Por uma Economia Não Dogmática”, de sua autoria, merece uma chance de ser mais amplamente conhecido e debatido.