Artigo – Efetividade de choques monetários e o mercado de trabalho brasileiro

  • Michel Cândido de Souza – Graduação e Mestrado em Economia pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutorando em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais e Professor Assistente do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Artigo publicado na revista Economistas nº 34.

Ao longo do último século, a trajetória de variáveis associadas ao nível de emprego apresentou um papel de destaque nas discussões macroeconômicas. Seja no campo estratégico (para auxílio de decisões dos policy makers) ou no arcabouço técnico (quanto as melhores alternativas para sua mensuração), o mercado de trabalho tem sido interpretado como um dos grandes motores das economias modernas. Consequentemente, sua boa organização e eficiência afetam diretamente o processo produtivo de um país. Fatores como o tempo médio de procura por um emprego, a probabilidade de uma nova vaga ser preenchida, a taxa de destruição/criação de postos de trabalho e a combinação entre procura e oferta de vagas podem explicar muito dos índices de ocupação da mão de obra formal. Logo, componentes informacionais, sazonais, geográficos e até mesmo institucionais, possuem grande importância na análise do mercado de trabalho.

Após a segunda guerra, podemos vislumbrar dois períodos distintos quanto a adoção de políticas estruturais que afetaram a dinâmica dos mercados de trabalho: os primeiros vinte e cinco anos que sucederam o conflito, marcados pela ordem econômica internacional que favorecia a adoção de políticas públicas voltadas ao “pleno emprego” (dentro dos ideais intervencionistas do Welfare State) e a década de 1970 em sequência, que marcou o início de políticas liberais em favor da desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho, por parte dos estados alinhados. Estes momentos representam quebras importantes na história, por conta da mudança nos níveis de desemprego e até mesmo na dinâmica informacional dos mercados, já que os trabalhadores passaram a contar com novos recursos legislativos e tecnológicos.

Para os economistas, uma conhecida referência sobre a importância do mercado de trabalho advém da Lei de Okun. A abordagem propõe a existência de uma relação empírica negativa, no curto prazo, entre o desvio da taxa de desemprego (em relação ao desemprego natural) e a diferença do Produto Interno Bruto (em relação ao nível tendencial). De forma simplificada, os holofotes costumam se voltar para a análise de sensibilidade do desemprego perante alterações na trajetória da produção nacional, sem necessariamente impor relação causal entre as variáveis. No limiar, conforme Gordon (2010) e Gali (2012) argumentam, a Lei de Okun auxiliaria a execução de políticas monetárias, já que o desemprego poderia ser reduzido em concordância com as bandas de um regime de metas bem estabelecido.

Contudo, embora em termos socio econômicos grande parte das políticas públicas busque impulsionar a criação de novas vagas e elevar a renda média dos trabalhadores, por conta de problemas informacionais os efeitos observados podem ser contrários a tais objetivos. Como exemplo, segundo Souza(2017), caso o consumo seja estimulado acima da capacidade de oferta da economia, no curto prazo, a baixa eficiência do mercado de trabalho pode ocasionar em um número de vagas preenchidas inferior ao total de postos de trabalho criados com a mudança na demanda, freando consideravelmente o efeito esperado (de redução) sobre o desemprego doméstico.

O objetivo deste breve artigo é estimular a reflexão sobre os possíveis efeitos que choques monetários podem exercer sobre o mercado de trabalho brasileiro, considerando suas imperfeições. Em outras palavras, partindo do ponto de vista Novo-Keynesiano, de que a arquitetura da política monetária pode afetar (no curto prazo) as variáveis reais, buscamos discutir como uma mudança na taxa de juros contribui para redução do desemprego e quais são as limitações deste instrumento, expondo as principais teorias e a dinâmica recente das imperfeições microeconômicas no mercado de trabalho brasileiro.

Fricções no Mercado de Trabalho

Na década de 1980, buscando explicar as históricas taxas de desemprego vivenciadas pelas economias desenvolvidas, muitos pesquisadores investigaram a existência de possíveis fricções no mercado de trabalho. Alguns dos principais trabalhos desta literatura foram desenvolvidos por Diamond (1982), Mortensen (1982) e Pissarides (1985), laureados com prêmio Nobel em 2010 pelas contribuições feitas a teoria do desemprego, conhecida como abordagem DMP.

Dentre as alternativas, o desenvolvimento da abordagem search and matching foi uma das opções apresentadas. Basicamente, essa modelagem se baseia na premissa de que ambos os fluxos de movimento do mercado de trabalho são capazes de atender a uma relação de equilíbrio final. A forma de obtenção desse equilíbrio se dá pela chamada função match, que segue um padrão Cobb-Douglas e busca capturar a taxa com que trabalhadores desempregados e firmas com vagas ociosas se encontram no mercado, além de considerar alguns fatores condicionantes capazes de distorcer essa relação.

De um lado, os agentes desempregados buscam por postos de trabalho que proporcionem retorno superior ao salário reserva. No oposto, as firmas buscam por trabalhadores que preencham as vagas ociosas e proporcionem retornos superiores aos custos envolvidos no processo de contratação. Quando existe acordo entre as partes, o trabalhador se dispõe a iniciar sua jornada por um salário considerado por ele justo, a empresa prevê um retorno superior ao custo marginal do trabalho, o setor produtivo recebe uma nova participação, o search tem êxito e o match ocorre. Basicamente, a função resume uma tecnologia de negociação entre agentes que colocam anúncios, leem jornais e revistas, vão a agência de emprego e utilizam contatos para gerar parceiras que resultem em uma colocação no mercado de trabalho.

Porém, o match não é um processo perfeito. Existe falta de coordenação entre os agentes participantes do mercado de contratação, de forma que nem todos os desempregados são capazes de encontrar uma vaga e vice-versa. Além do que, preencher uma vaga é um processo demorado e caro para ambas as partes, logo, o salário é um componente resultante de um processo de negociação entre empresas e trabalhadores, no qual estes últimos possuem algum grau de barganha na negociação. E é a partir desta dinâmica imperfeita e de custos elevados no processo de contratação, que parte do desemprego presente na economia emerge, fazendo com que políticas econômicas nem sempre alcancem os efeitos plenamente esperados.

Breve Histórico sobre a Dinâmica do Mercado de Trabalho Brasileiro

Entre as décadas de 1930 e 1980, a economia brasileira cresceu a taxas elevadas, principalmente no período pós-guerra, algo próximo de 6,5% ao ano. Este intervalo representou um importante período de evolução, mesmo com entraves e gargalos provenientes do processo de industrialização tardio.

Como esperado, o mercado de trabalho acompanhou o movimento tendencial e vivenciou um período de aumento expressivo de vagas, especialmente no setor formal. Conforte Giambiagi (2011) e Ferreira de Souza (2016), o crescimento econômico até meados da década de 1970 proporcionou uma expansão direta nos níveis de consumo das famílias, porém, de forma desigual para grande parte dos trabalhadores contratados, o que impulsionou a concentração de renda e ampliou as desigualdades sociais no país.

Basicamente, entre 1964 e 1980, o mercado de trabalho brasileiro foi intrinsicamente alterado. Houve maior flexibilidade aos empregadores e uma redução drásticas no poder de barganha dos trabalhadores, além de uma estagnação nos ganhos reais do salário mínimo, pressionado para baixo no período da ditadura.

Em sequência, na década de 1980, a economia brasileira passou por um período de “anos perdidos”, caracterizado pelo baixo crescimento econômico (consequência direta da perda de fôlego do processo tardio de industrialização) e descontrole do nível de preços. Naturalmente, a desaceleração econômica trouxe consigo a destruição de um número elevado de vagas, mas os efeitos sobre o mercado de trabalho foram um pouco mais complexos e estruturais do que a intuição sugere.

Os maus momentos alteraram, majoritariamente, a inserção da população economicamente ativa, muito provavelmente por conta do declínio nos setores primário e secundário, bem como devido à queda no dinamismo industrial e o baixo nível de investimentos da economia. Em contrapartida, o setor de serviços aumentou sua participação no número total de ocupações, passando de 5,9 milhões em maio de 1982 para 7,67 milhões em dezembro de 1989, destacando o crescimento relativo nos ramos do comércio, atividades sociais e administração pública. Contudo, estas expansões não podem ser atribuídas a um fenômeno pontual de desindustrialização, já que o aumento na ocupação do setor de serviços foi acompanhado pela ampliação do setor informal e a estrutura industrial manteve-se praticamente intocada.

Nos anos 90, devido a abertura econômico-financeira, firmeza na condução da política monetária (que priorizava o regime de metas), cuidado na gestão fiscal e abandono das tentativas de utilizar a taxa de câmbio como instrumento de crescimento, o país recuperou um pouco da estrutura dinâmica do mercado de trabalho. No entanto, como grande parte das empresas não possuía amplo acesso ao mercado de crédito e as inovações mais recentes, as maiores mudanças no mercado de trabalho ocorreram no sentido de reorganização dos processos, com redução de postos, aumento da rotatividade e principalmente terceirização de grande parte da mão de obra. Os dados do IBGE mostram que a população ocupada sem carteira de trabalho (nas regiões metropolitanas) saltou de 2,89 milhões em janeiro de 1990 para 4,55 milhões em dezembro de 1999.

Para a primeira década dos anos 2000, o crescimento sustentado e a redução da inflação (herdada do plano de estabilização implementado na década anterior) proporcionaram o aumento da criação de empregos assalariados, contribuindo diretamente para a formalização dos contratos e ampliando o poder de compra do trabalhador médio. Além disso, a implementação de programas sociais e educacionais em larga escala diminuiu consideravelmente as diferenças de renda no país.

O início da última década foi marcado pela crise internacional. Entre 2010 e 2011 já se especulava sobre os possíveis problemas com níveis muito reduzidos do desemprego, devido à baixa produtividade do trabalhador brasileiro e a escassez de mão de obra especializada. Além disso, o agravamento da conjuntura europeia afetou a economia no último trimestre de 2011, sinalizando dificuldades maiores para o mercado de trabalho nacional em 2012. Mesmo assim, a economia brasileira ainda demonstrou boa capacidade de ocupação das novas vagas, proporcionando taxas de desemprego que atingiram níveis historicamente reduzidos entre 2012 e 2013.

Recentemente, com o descontrole das contas públicas, fim do bônus demográfico, avanço do nível de preços (atingindo novamente a casa de dois dígitos em 2015) e a pressão do câmbio, em 2016 a economia Brasileira entrou em uma de suas maiores recessões na história. Nesta conjuntura, o mercado de trabalho brasileiro passou por um momento de grande fragilidade, registrando taxas negativas históricas, o que desaqueceu a economia e reduziu o nível de preços. Conjuntamente, no final de 2016, o Banco Central iniciou uma política de queda na taxa básica de juros, que entre outros propósitos buscou auxiliar a recuperação.

As Limitações da Política Monetária em Mercados de Trabalho com Fricções

A efetividade da política monetária, como ferramenta de auxílio e estímulo a demanda, é amplamente reconhecida por diversas escolas de pensamento econômico. Contudo, pouco debate existe sobre os efeitos diretos da condução destas políticas sobre o mercado de trabalho brasileiro, principalmente quanto as imperfeiçoes no processo de contratação. Estudos recentes, como de Basílio (2012), Attuy (2012) e Souza (2017), oferecem evidências teóricas e empíricas de que a efetividade da política econômica, como redutora do desemprego, pode ser limitada pelas fricções presentes no mercado de trabalho.

Em síntese, um choque de redução na taxa básica de juros apresentaria os seguintes efeitos: devido ao período maturação entre a contratação e o exercício, o número de trabalhadores empregados não aumenta instantaneamente. Dessa forma, o ajustamento do trabalho à nova demanda (consumo das famílias) é dado, inicialmente, por um aumento de horas trabalhadas da mão de obra ativa. Contudo, o aumento da procura também estimula os lucros esperados e leva sequencialmente a uma abertura de vagas. Como consequência, há mais contratações, de modo que o desemprego cai e os salários são pressionados para cima.

Mais especificamente, dentro do mercado de trabalho, a probabilidade de um agente encontrar emprego na economia brasileira aumenta, mas a chance de uma nova vaga ser preenchida cai. Isso ocorre pois o número de vagas tende a crescer de maneira proporcionalmente superior aos novos matches da economia, seja por questões informacionais ou até mesmo de qualificação, o que não permite que o desemprego recue ainda mais, no curto prazo.

Logo, mesmo que a relação entre um choque monetário e o nível de emprego seja desenvolvida conforme o esperado, as fricções do mercado de trabalho atuam como limitadoras de uma maior expansão do emprego. Ou seja, esperamos que as políticas monetárias sejam efetivas e contribuam para a recuperação da economia, mas ressaltamos que a adoção de medidas que melhorem a fluidez do mercado de trabalho, em termos informacionais (intermediação da mão de obra) e educacionais (como investimento massivo em cursos de qualificação profissional), contribuem para aumentar a efetividade de ações do Banco Central e podem garantir um efeito mais igualitário entre as diversas camadas da população.

REFERENCIAS:

ATTUY, G. Ensaios sobre macroeconomia e mercado de trabalho. Tese (Doutorado em Economia), Universidade de São Paulo, 2012.

BASÍLIO, F.A.C. Política Monetária e Barganha Salarial: A Importância das Instituições do Mercado de Trabalho na Ausência de Rigidez Nominal. Tese (Doutorado em Economia), Universidade de Brasília, 2012.

DIAMOND, P. A. Wage determination and efficiency in search equilibrium. Review of Economic Studies. v.49 n.2 p.217 – 227, 1982

FERREIRA DE SOUZA,P.H.G. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade de Brasília, 2016.

GIAMBIAGI, F.;VILLELA, A.; CASTRO, B.C.; e HERMANN, J. Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010). São Paulo: Campus,2011.

GORDON, R. J. Okun’s Law and Productivity Innovations. American Economic Review, v. 100, n. 2, p. 11-15, 2010.

GALI, J.;FRANK S.; WOUNTERS, R. Slow Recoveries: A Structural Interpretation. Journal of Money, Credit and Banking, v. 44, p. 9-30, 2012.

MORTENSEN,D.T. The Matching Process as a Noncooperative Bargaining Game. In: McCall ,J.J. The Economics of Information and Uncertainty. Chicago, University of Chicaco Press, p.233-254, 1982.

PISSARIDES, C. Short-Run Equilibrium Dynamics of Unemployment, Vacancies, and Real Wages. American Economic Reivew, 75, 676-690.1985.

SOUZA,M.C. Política Monetária e Mercado de Trabalho no Brasil. Revista de Economia Contemporânea. 21, 2017.