Artigo – Quem tem medo de comunista?

Por Fernando de Aquino, doutor em Economia pela UnB, conselheiro do Cofecon e membro da Abed

No imaginário popular, comunistas são muitos dos que ameaçam e amedrontam. É o ateu, sem Deus no coração, que quer acabar com as igrejas e perseguir os crentes. É o usurpador que quer tomar a propriedade alheia. É a depravada que pode seduzir o marido de outra. É o esquerdopata que pode tirar o filho do caminho do bem. As lideranças de esquerda são, pelo menos, suspeitas de pertencerem a essa horda. Eventualmente, muitos votam nelas, apesar de poderem ser comunistas, por esperar que trarão benefícios.

Essa demonização dos comunistas tem origem na discriminação que eles faziam dos religiosos, com base na ideia de Marx, de que “A religião é o ópio do povo”. No entanto, à medida que alguns foram identificando similaridades entre valores e objetivos comunistas e os de suas religiões, passaram a procurar conciliar as abordagens. Entre católicos, desenvolveu-se a Teologia da Libertação, que veio a ser compartilhada, por vezes com adaptações, por vários evangélicos. O próprio Papa Francisco, embora não chegue a ser comunista, tem se alinhado a muitas pautas progressistas. O anticomunismo permanece entre parte dos religiosos, nos setores conservadores da Igreja Católica e das igrejas evangélicas, sobretudo nas tenebrosas igrejas neopentecostais.

Todavia, o termo comunista também tem um significado mais preciso e objetivo. No espectro político, corresponde ao seguidor do marxismo-leninismo, que considera o capitalismo um modo de produção transitório, em que as leis de desenvolvimento das forças produtivas levarão a ser substituído pelo socialismo. Também um modo de produção transitório, o socialismo seria caracterizado pela socialização dos meios de produção por uma ditadura do proletariado. Assim, finalmente se alcançaria o comunismo, em que a abundância de bens e serviços e com o ser humano tendo superado a conduta individualista e competitiva, funcional dos modos de produção inferiores, prescindiria de um Estado controlador, estabelecendo, na Terra, o “Paraíso da Classe Operária”.

Temos alguns partidos comunistas organizados no país, o que não seria o caso do PT, PSB ou PSOL. O que tem alguma expressão seria o PCdoB, mesmo assim, vários de seus membros e lideranças não devem seguir, integralmente, a doutrina marxista-leninista tradicional. Em todo o caso, os comunistas compartilham os valores e fundamentos dos progressistas em geral, que gravitam em torno da redução das desigualdades de renda e oportunidades, por isso integram esse campo político.

O termo socialista, por sua vez, é mais genérico, sem significado tão preciso. O grupo de maior expressão atualmente, no campo progressista, seria os sociais-democratas. Não se confundem com os comunistas por não tratarem o capitalismo como um modo de produção transitório. Buscam a melhor articulação entre o Estado e o mercado para manter desigualdades de renda mínimas e oportunidades similares para todos. O PT, o PSB e o PSOL podem ser considerados partidos social-democratas.

E o que dizer dos liberais? Eles levantam a bandeira da liberdade, de fato o que há de mais importante para todos, a despeito da servidão voluntária de muitos, em geral dominados pelo medo. Em termos econômicos, o liberalismo é um movimento que ganhou expressão na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, em favor de maior liberdade para os negócios e contra os privilégios de sangue mantidos pela nobreza, algo similar aos de algumas castas do serviço público no Brasil atual. Naquele contexto, o liberalismo tinha um papel progressista, o de lutar pela expansão da capacidade produtiva que o mercado podia alavancar.

Entretanto, uma vez consolidada a economia de mercado, o liberalismo econômico perde essa função, passando a assumir outras, que nem sempre podem ser chamadas de progressistas. O fato é que “liberal” passou a ser um termo ambíguo. Afinal, liberdade pra quem? Difícil falar em liberdade pra todos se muitos não têm condições dignas de vida e nem oportunidades de desenvolvimento de suas escolhas.

A maior parte dos que se intitulam liberais na economia, atualmente, seguem um outro movimento, que procura se legitimar como herdeiros do liberalismo clássico inglês, substituindo a nobreza pelo Estado. Esse movimento seria o neoliberalismo, que ganhou expressão nos EUA, na segunda metade do Século XX, com uma narrativa de que o livre mercado garantiria uma produção máxima, remunerações de acordo com o que cada um contribuir para essa produção e a intervenção do Estado apenas atrapalharia.

Contudo, mesmo desconfiando da capacidade transformadora do Estado, os liberais com valores e práticas igualitárias estão no campo progressista. Claro que o mercado não equaliza oportunidades nem reduz desigualdades. Os economistas sabem disso até pelos manuais de microeconomia. É útil que os liberais progressistas busquem mecanismos que minimizem oportunidades de corrupção originadas da própria atuação do Estado, ainda que não consigam prescindir desse Estado na promoção de melhor qualidade de vida para todos.

Não tem sentido acusar os progressistas de não se interessarem pelo crescimento econômico. O ponto é que a taxa de crescimento do PIB é uma estatística demasiadamente agregada, chegando não significar muito. Afinal, quem estaria se beneficiando do crescimento? Uns poucos que já têm muito? Gerações atuais, destruindo recursos não renováveis e as condições ambientais do futuro? Enfim, o verdadeiro corte entre progressistas e conservadores não é entre mais e menos Estado, mas entre manter e reduzir as desigualdades.