Artigo – Reengenharia tributária/tecnológica/fraterna e solidária: para destravar a economia brasileira e fazer o Brasil crescer e distribuir renda com justiça social.

Por Luiz Carlos Hauly   – Economista, Tributarista, Vereador, Prefeito, Secretário Estadual de Fazenda do Paraná (por 2 vezes) e Deputado Federal por 07 mandatos consecutivos.

(* Artigo publicado na Revista Economistas nº 33)

 

Para consertar o caos tributário do Brasil não basta uma Reforma Tributária. É necessária uma Reengenharia Tributária e tecnológica capaz de destravar a economia para o Brasil crescer de forma sustentada e distribuir renda com justiça social. Essa Reengenharia irá destravar a economia, fazer o Produto Interno Bruto (PIB) crescer, diminuir o custo de produção das nossas empresas, o custo dos tributos sobre os bens e serviços de consumo dos mais pobres, o custo de contratação da mão de obra, gerar milhões de novos empregos anualmente, recuperar as empresas e também todo o setor público nos três níveis.  

É inegável que o Brasil poderia ter avançado muito mais nos últimos anos, não fosse as ineficiências, iniquidades e inconsistências do nosso sistema tributário. É o que se pode concluir nitidamente do relatório do Banco Mundial, no qual se estuda e compara 190 países em várias vertentes para classificá-los de acordo com a facilidade do ambiente de negócios. No quesito tributação fica evidente o desastre, pois ganhamos apenas de 6 países, ocupando um vergonhoso 184º lugar. 

Graças à determinação dos empreendedores que perseveram, mesmo atuando num ambiente de negócios tão adverso, o País ainda está entre as maiores economias do mundo. Mas esse cenário poderia ser muito mais favorável se o arcaico sistema tributário brasileiro tivesse passado por uma ampla reengenharia tributária, onde muitas distorções e injustiças poderiam ter sido corrigidas. Enquanto as economias mais desenvolvidas ganham em competividade, o setor produtivo brasileiro continua sendo esmagado pelo excessivo número de impostos e elevada carga dos tributos na base consumo. Isso pela burocracia tributária excessiva; pela irracional complexidade além de, o Estado Brasileiro perder bilhões de reais anualmente, com renúncias fiscais; elisão; sonegação; burocracia e corrupção, provocando um prejuízo incalculável para a população, empresas, economia e para a arrecadação tributária nacional.   

O Brasil tem crescido muito abaixo da média mundial nas últimas quatro décadas. Nos últimos 5 anos (2014 a 2018), enquanto o crescimento médio acumulado do PIB mundial foi cerca de 19%, o do Brasil foi negativo em mais de 4%. Infelizmente a constatação é de que o Brasil ficou 23% mais pobre. O PIB de 2018 que foi de R$ 6,8 trilhões, se tivesse crescido como a média mundial acumulada, teríamos um PIB adicional acima de R$ 1,5 trilhão e uma arrecadação adicional, somente em 2018, de R$ 500 bilhões, só como exemplo, este resultado anual seria 5 vezes maior do que o esforço fiscal anual previsto na Reforma Previdenciária.  

A Reforma Tributária contida na Proposta de Emenda Constitucional – PEC 293-A/04, irá proporcionar crescimento sustentado e inclusao social, recuperando rapidamente a nossa economia, ela prevê a simplificação(eliminação de 10 de tributos), redistribuição da renda, justiça social com a diminuição do peso da cobrança da carga tributária sobre os mais pobres e a incorporação de tecnologia na cobrança, para tirar do contribuinte a responsabilidade da retenção do valor dos impostos, que serão cobrados no ato de cada transação de compra e venda, no modelo de cobrança eletrônico desenvolvido por Miguel Abuhab, um engenheiro, empresário com atuação internacional e pioneiro em inovação na área de software.  

A PEC 293-A/04 tem como meta proporcionar um crescimento continuado e sustentado acima de 6% ao ano. Esta meta parece arrojada, mas tem precedentes na nossa história econômica. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Brasil por 50 anos (1930 a 1980) teve um dos maiores crescimentos econômicos do mundo, com taxas robustas de 6,3% ao ano, mas infelizmente isso não ocorreu nos últimos 38 anos, quando tivemos um crescimento médio pouco acima de 2% ao ano.  

Faço essa afirmação como Economista e com a experiência acumulada de 28 anos de forte atuação no Congresso Nacional (1991-2018), oportunidade em que liderei ou fui relator de proposições que fizeram do Brasil um dos maiores exportadores de commodities do mundo (Lei 87/96- Lei Kandir) e das Leis que criaram  o Supersimples Nacional  e o Micro Empreendedor Individual (MEI), que geraram 90% dos novos empregos nos últimos 12 anos. Atualmente existem 8 milhões de MEIs e 6 milhões de Micros e Pequenas Empresas (MPEs). Somo a esta experiência, dois períodos à frente da Secretaria da Fazenda do Paraná (1987-1990 e 2011-2013).  

  

É importante salientar que são três as bases tributárias: propriedade, renda e consumo. Tudo que o Estado (em lato senso) tributa/arrecada, ele o faz sobre essas três bases. A PEC 293-A/2004 contempla:  

– 3 pilares: simplificação tributária, tecnologia e justiça social;  

– Objetivo geral: crescimento econômico;  

– Regra de ouro (1): não aumentar carga tributária;  

– Regra de ouro (2) Federativa: não mexer na atual Partilha da União, dos Estados e dos Municípios.  

  

Na elaboração desta proposta, contei com o apoio da excelente equipe de consultores da Câmara dos Deputados e a participação direta de centenas de tributaristas, economistas, contabilistas, instituições/entidades públicas e privadas. Ela é uma sistematização de todas as propostas, estudos e debates ocorridos dentro e fora do Congresso Nacional nos últimos 32 anos. Baseia-se principalmente no modelo tributário clássico, que é preponderante nos países da Comunidade Européia e Canadá.   

Esta PEC extingui 09 tributos da base consumo e 01 da base renda.   Autoriza ainda a substituir total ou parcialmente a tributação da contribuição Previdenciária Patronal pelo Imposto de Valor Agregado / Imposto de Bens e Serviço ( IVA/IBS); coloca fim à guerra fiscal predatória entre os Estados e entre os Municípios; reduz a renúncia fiscal do Brasil, hoje calculada em cerca de  R$ 500 bilhões/ano; reduz drasticamente a sonegação fiscal estimada em R$ 460 bilhões /ano; reduz substancialmente o contencioso Tributário Administrativo e Judicial, com um estoque estimado entre R$ 2 a 3 trilhões; elimina totalmente a possibilidade da geração de novas dívidas tributárias; reduz o custo da burocracia para pagar e receber os tributos, com um custo estimado pelo Banco Mundial de R$ 65 bilhões anual; reduz os encargos sobre folha de pagamento e cria um Comitê Gestor Estadual/Municipal para arrecadar, tributar e fiscalizar o novo IVA/IBS.  

Defendo a progressividade do Imposto de Renda e dos Impostos Patrimoniais, que com certeza, será discutida e implementada, logo após a aprovação da PEC da Reforma Tributária, e desde que o montante arrecadado seja compensado com a diminuição na mesma proporção da base consumo. Esta proposta contempla de forma inédita no Brasil, uma Reengenharia na base consumo, que irá proporcionar uma grande  redução  da regressividade existente hoje por duas formas: 1) zerando  o IVA/IBS sobre alimentos e medicamentos e 2) fazendo a devolução de impostos para as pessoas/famílias de baixa renda, através da Nota Fiscal Eletrônica e do Cadastro Único .  

Também prevê a isenção total dos Impostos das exportações e dos bens do ativo fixo, como máquinas e equipamentos das empresas, proporcionando mais competitividade.  

Serão extintos os Tributos: Imposto de Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS); Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); Imposto Sobre Serviços ( ISS); Programa de Integração Social ( PIS); Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP);  Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (COFINS); Imposto sobre Operações Financeiras ( IOF); Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (CIDE); Salário Educação. Os impostos extintos serão substituídos por um IVA/IBS clássico e um Imposto Seletivo monofásico (ISE). O IVA/IBS será cobrado no destino, ou seja, no Município e Estado onde for consumido. O Imposto Seletivo (ISE) incidirá sobre:  energia elétrica, combustíveis, comunicação, cigarros, bebidas, veículos. E na base Patrimônio, toda a arrecadação dos cinco tributos será dos municípios.  

Desde o trauma que a União teve com as perdas de arrecadação para os Estados e Municípios na Constituinte de 88, todas as tentativas de Reformas Tributárias que mexiam na partilha tentando tirar recursos da União e dos Estados mais ricos em favor dos mais pobres, foram inviabilizadas impedindo a sua aprovação. Para evitar essa disputa fratricida, proponho que o IVA, Imposto de Renda (IR) e o ISE, sejam proporcionalmente partilhados com base na arrecadação dos últimos 03 anos e com os seus coeficientes congelados nos primeiros 05 anos. Portanto, todos os Entes Federados (União, Estados e Municípios) terão a mesma participação relativa na arrecadação tributária, líquida de transferências constitucionais e assim, não terão prejuízos. Somente para os Estados e Municípios e para os fins de partilha da arrecadação, haverá uma transição adicional de mais dez anos para efetivar o princípio do destino.       

Ausência do IVA: erro histórico   

Na década de 60 enquanto a Europa e Canadá criaram na base consumo um único IVA destino com alíquota por fora, o Brasil criou três impostos: IPI, ICMS e ISS com alíquotas por dentro. As distorções provocam até hoje enormes prejuízos para nossa economia, para a concorrência e para a arrecadação tributária. No IPI, a RF manipula as alíquotas, por decretos, com renúncias bilionárias. No ICMS, os Estados criaram barreiras interestaduais, provocando a famosa guerra fiscal predatória, com renúncias bilionárias. No ISS, os municípios também manipulam as alíquotas provocando guerra fiscal, com renúncias bilionárias.

 Outro grande erro foi a elevada concentração de mais de 54,4% da arrecadação brasileira na base Consumo, enquanto a base Renda com apenas 20,7%, a Propriedade com 4,4% e a Previdência com 20,3% da arrecadação nacional. Assim o Brasil ficou na contramão e bem distante da tributação média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é muito mais justa, e que tem uma carga na base consumo na faixa de 32%, da renda 34,1%, do patrimônio 5,5% e da Previdência e outros tributos 28%.   

Com as mudanças feitas em 1967 e as mudanças introduzidas a partir da Constituição de 88, o sistema que já era ruim se tornou ainda pior.  

Com a conclusão da Constituinte de 1988, os Estados e Municípios, foram os grandes vencedores, abocanhando uma enorme quantia da arrecadação da União Federal. Os Estados e Municípios conseguiram elevar as suas participações em mais 15% do IR (de 32%para 47%) e mais 25% do IPI (de 32% para 57%). Dos 57% do IPI, 10% passaram a ser destinados para um fundo de compensação de eventuais perdas de ICMS nas exportações de produtos industrializados. Ainda naquela época, conseguiu-se “tirar” da União Federal os 05 impostos únicos monofásicos seletivos sobre Energia Elétrica, Comunicações, Combustíveis, Transporte e Minerais. Esses cinco tributos monofásicos passaram também a formar base do ICMS. Destaco ainda outra importante conquista dos Estados e Municípios em 1985/86, que foi a absorção da antiga Taxa Rodoviária Única (TRU), que pertencia à União e foi transformada no atual Imposto sobre Propriedade e Veículos Automotores (IPVA), sendo 50% da Arrecadação para os Estados e 50% para os Municípios.   

Com todos estes acontecimentos, quando a Receita Federal (RF) viu que havia perdido grande parte da sua preciosa receita para os Estados e Municípios,  foi à forra nos anos seguintes após a Constituição de 88. O Governo Federal não mediu consequências, transformou a base consumo no seu campo de atuação, invadindo  a base do ICMS e ISS. Com a ampliação da carga e com a criação de Contribuições Sociais não partilhadas com os Estados e Municípios, como a Cofins , posteriormente também criou outras tributações tais como IOF, as CIDES e o Salário Educação. A base Consumo ficou com um número excessivo de tributos e a elevação irresponsável desta base, chegando a mais de 54% da arrecadação nacional.   

Outro pilar desta proposta é a implantação da cobrança eletrônica, o que será um grande diferencial e uma verdadeira revolução nesse sistema arcaico. Acabará com o modelo declaratório que desperdiça toneladas de papéis e bilhões de Reais em burocracia tributária. O imposto será cobrado no ato da transação de compra e venda do bem ou do serviço. O imposto será retido no ato da transação e o dinheiro irá direto para o Município, Estado ou União. Cada empresa terá uma conta por onde irá transitar esse fluxo de débito e crédito. A Comissão Técnica Permanente/Conselho Nacional Política Fazendária (COTEP/CONFAZ) estão estudando a adoção de uma nota fiscal eletrônica, via celular, para micro e pequenos empresários e também para os autônomos.    

Outra parte muito importante da PEC é o seu viés de fraternidade e solidariedade, ou seja, de justiça social. Não podemos manter o atual modelo que, de acordo com dados do IPEA, uma família que ganha até dois salários é penalizada com cerca de 53,9% de carga tributária. Quanto mais se tributa o consumo, mais o assalariado paga impostos por um motivo muito simples, mas não simplório: empresa não paga imposto sobre consumo, ela transfere para o preço. É um sistema que mata as empresas e os empregos. Propomos o zerar (ou cobrança mínima) de impostos sobre remédios e alimentos. Hoje, a carga tributária desses produtos gira em torno de 33% a 34%, uma das mais altas do mundo. O ideal é que a carga tributária sobre os assalariados passe a sofrer uma redução gradativa até que a carga deles seja reduzida em pelo menos 70%.    

Considerações Finais  

A aprovação no Congresso Nacional e a implementação da PEC 293-A/04 destravará a economia brasileira e propiciará :entre outros ganhos de eficiência, a redução de pelo menos 70% da renúncia fiscal do Brasil; diminuição da sonegação fiscal; 

redução dos encargos sobre folha de pagamento, aumentando a empregabilidade; redução da elisão fiscal, e do estoque da dívida ativa; diminuição do contencioso administrativo fiscal, bem como as demandas judiciais e a redução dos R$ 65 bilhões/ano gastos com as obrigações acessórias e burocráticas.  

Ressalto que o projeto tem como regra de ouro garantir a manutenção da carga tributária nacional, para que não venha a ocorrer aumento de carga e seja preservada a arrecadação tributária, líquida de transferência, dos três entes federativos que sofrem hoje, a pior situação fiscal da história. Prevê a realocação da tributação sobre a folha de pagamento, transferindo-a no todo ou em parte para o IVA/IBS e uma transição confortável do sistema antigo para o novo.