Artigo – Da crise à recuperação: Como Santa Catarina vem enfrentando um dos maiores períodos de recessão da história do país?

Por Leonardo Alonso Rodrigues – Bacharel em Ciências Econômicas pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina; Economista da FACISC – Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina; Conselheiro Efetivo do Conselho Regional de Economia de Santa Catarina (CORECON-SC); Economista responsável pela criação do IPER-SC “Índice de Performance Econômica das Regiões de Santa Catarina”.

(*Artigo publicado na Revista Economistas nº 33)

Entre as 27 unidades da federação brasileira, Santa Catarina é a 7° maior economia em termos de PIB (R$ 256,6 bilhões), 10° em termos de população (7.075.494 habitantes) contando com 1,13% do território nacional (95.737,90 km²) e 295 municípios. Estado que faz parte da região Sul do país, representando 24,06% do PIB e 23,78% da população regional. Destaca-se por possuir uma economia e uma cultura diversificada, organizada em vários polos regionais, sendo a base de sustentação de um estado pujante e que vem se destacando frente ao cenário nacional.

O tema proposto no presente artigo se debruça em identificar como o estado atravessou a crise e como está se encaminhando no processo de recuperação. Santa Catarina, apesar de não estar isenta dos efeitos da conjuntura nacional, atualmente vem apresentando resultados econômicos expressivos e maiores que a média do país.

A exemplo disso, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central “IBC-Br”, que representa uma proxy do PIB do Brasil, bem como para 13 estados e as 5 grandes regiões do país, evidencia que o único estado que até abril de 2019 registrou crescimento acima da base de início da crise[1] foi Santa Catarina. 

[1] No exercício foi considerado como base o mês de janeiro de 2015 = 100

 

Outro estado que vinha se destacando era o Pará, porém, no mês de abril de 2019 registrou uma forte queda, assim voltando para uma base inferior a daqui considerada (jan/15). Com isso o patamar alcançado pelas unidades da federação e as grandes regiões do Brasil com base no mês de janeiro de 2015 até abril de 2019 é apresentada no gráfico a seguir:

Tomando por base também o emprego formal, o estado de Santa Catarina é um dos únicos a se recuperar com relação ao ano base de maior estoque no emprego (2014) registrado no país.

A partir dos dados da Secretaria do Trabalho (RAIS e CAGED) vinculada ao Ministério da Economia, entre 2014 e o mês de abril de 2019, Santa Catarina registrou saldo de 23.310 vagas a mais do que o estoque de 2014.

O Brasil como um todo vem ao longo dos últimos tempos registrando saldo positivo no emprego formal como ilustra o gráfico a seguir:

Porém, ao tomar como base o estoque do emprego em 2014 e o quanto cada unidade da federação precisa gerar de empregos para chegar a esse patamar, apenas cinco estados conseguiram ultrapassar este nível, entre eles, Santa Catarina (em 3º lugar). Para se chegar ao nível de emprego formal que o Brasil registrou em 2014 são necessários a criação de 2,4 milhões de empregos.

O gráfico a seguir ilustra o estoque de empregos até abril de 2019 com relação a base de 2014 em termos percentuais. Tomando como base esta análise, Santa Catarina está com nível de 1,03% superior à 2014. Na ponta se encontra o Rio de Janeiro com 87,26% do estoque de 2014, mostrando assim a discrepância do estoque de emprego atual com relação a sua maior base. Além disso, é de se considerar que vinte e duas unidades da federação ainda não alcançaram tal patamar, mais uma vez demonstrando a recuperação gradual e lenta que o país atravessa.

 

Em relação ao exposto acima, é de extrema relevância então relacionar quais fatores podem explicar que Santa Catarina se desponta no cenário nacional e se recupera de forma mais célere que a média do país conjunturalmente. Dentre os pontos, se destacam:

  1. Não elevação de impostos e equilíbrio fiscal
  2. Diversificação econômica
  3. Relação com o exterior
  4. Menor taxa de desemprego do país e as condições sociais

Não elevação de impostos e equilíbrio fiscal: A despeito da crise fiscal que se instaurou no país e também pela queda de arrecadação que os estados registraram em 2015, no mesmo ano, 20 estados e o Distrito Federal alteraram o ICMS (principal tributo de arrecadação estadual) e 12 estados elevaram alíquotas do IPVA. Santa Catarina, foi um dos 6 que não alteraram a alíquota interna de ICMS e também faz parte dos 15 que não alteraram o IPVA. Desde então mantêm uma alíquota interna do ICMS em 17% sendo o estado com menor alíquota entre os estados vizinhos, como Rio Grande do Sul (18%) e Paraná (18%), e também dos mais próximos como os da região Sudeste (junto com o Espírito Santo que também mantêm em 17%). Atualmente a maior alíquota interna no país de ICMS é no Rio de Janeiro (20%), e é também um dos estados que mais sofrem com a crise fiscal.

Dois fatores também contribuíram para decisão do não aumento de impostos: Santa Catarina realizou uma reforma da previdência dos servidores públicos estaduais em 2015 e entre 2016 e 2017 conseguiu junto a outros estados a renegociação da dívida com a União Federal. Ao longo da crise, esses fatores tiveram dois papéis preponderantes: Em primeiro lugar pesou um fator de competitividade às empresas e aos consumidores catarinenses perante outros estados, ajudando a diminuir os impactos que possivelmente viriam através de uma possível elevação de tributos. Em segundo lugar, pelo menor custo fiscal (via ICMS), Santa Catarina atraiu investimentos de empresas de outros estados, fortalecendo a economia estadual.

Atualmente, as receitas com ICMS em 12 meses acumulados até abril de 2019 cresceram 8,82% em termos reais. Só houve queda real de arrecadação em 2015. Em 2018, Santa Catarina registrou superávit primário e segue este ritmo em 2019, além disso, as receitas estão crescendo, o que dá mais flexibilidade para se trabalhar os desafios fiscais que estão presentes em praticamente todos os estados da federação.

Diversificação econômica: Uma das principais características estruturais de Santa Catarina é sua diversificação econômica, fator esse que fez toda diferença nestes últimos anos. Um exemplo ilustra a importância desse fator: Em 2015, 2016 e 2017 a fabricação de produtos alimentícios, muito forte no oeste catarinense, cresceu 0,1%, 3,4% e 7% respectivamente. Em 2018 registrou queda de -3,3% e no acumulado de 12 meses até abril de 2019 está em queda de -4,2%. Por outro lado, o setor metalúrgico, mais forte no norte do estado caiu -25,4% em 2015. Em 2018 registrou alta de 23,5%. O setor têxtil, mais desenvolvido no Vale do Itajaí, caiu -12,2% em 2015, mas em 2018 registrou aumento de 6,3% de sua produção.[1]

Segundo o Índice de Performance Econômica das Regiões do Estado de Santa Catarina (IPER-SC; FACISC), que mensura o movimento econômico das regiões do estado, a região oeste cresceu 3% em 2015, as regiões norte e Vale do Itajaí registraram queda de -1,6% e -8% respectivamente. Em 2018 a região oeste registrou queda de -0,21% e as regiões norte e Vale do Itajaí cresceram 8,23% e 10,18% respectivamente. Além do setor industrial, há diversificação no agronegócio e também no setor terciário, incluindo o setor turístico, principalmente diferenciado em cada região. Com isso, há um equilíbrio maior e na média estadual os impactos negativos da crise são atenuados e pulverizados dada a estrutura produtiva diversificada.

Relação com o exterior: Santa Catarina é o 8º estado que mais exporta e o 3º que mais importa no Brasil. Apesar de ter apenas 1,13% do território nacional possui 5 portos desenvolvidos, visto que, uma parte da corrente do comércio exterior são demandas de outros estados, trazendo assim também via serviços portuários, de logística e de transportes receitas para Santa Catarina. No período de crise o estado de Santa Catarina manteve suas relações comerciais com o resto do mundo estáveis, além de conseguir parcerias comerciais para produtos importantes da pauta exportadora como é o caso da carne suína. Além do mais, a própria desvalorização do real frente ao dólar fortaleceu a receita das empresas que exportam no estado, sendo este mais um fator que contribuiu e continua contribuindo com a recuperação mais célere do estado. A exemplo disso, entre janeiro e maio de 2019 as exportações e importações catarinenses cresceram 12% cada uma, frente a uma média nacional de queda das exportações (-0,9%) e crescimento de 1,8% em termos de importações.

Menor desemprego e as condições sociais: Santa Catarina observou a taxa de desemprego entre o primeiro trimestre de 2015 e o primeiro trimestre de 2019 crescer. A taxa de desemprego passou de 3,9% para 7,2%. De todo modo, é a menor e se manteve a menor taxa de desemprego do país ao longo dos últimos anos. Além deste fator, as condições sociais do estado são referência nacional. Por exemplo, Santa Catarina tem o 3º maior IDH do Brasil, é o estado com a maior expectativa de vida, tem o menor Índice de Gini e mantêm em termos proporcionais à sua população, o menor contingente de pessoas que vivem na extrema pobreza do país. Esses fatores são importantes no equilíbrio social. As condições sociais do país se agravaram nos últimos anos e esse agravamento se deu, sobretudo, como efeito da crise econômica e política vigente no Brasil. Santa Catarina (em relação a média nacional) manteve um certo equilíbrio social em termos de segurança, assistência social, saúde e educação. Além de tudo, com a menor taxa de desemprego e mais recentemente com a geração de empregos crescente, a demanda por serviços públicos sobretudo é atenuada, fortalecendo assim até o lado fiscal.[2]

Desafios catarinenses

Os desafios também são imensos, como a questão fiscal que cada vez mais paira sobre os estados, incluindo Santa Catarina. Mesmo com a reforma previdenciária realizada em Santa Catarina, há um déficit crescente na previdência estadual. A relação dívida consolidada líquida/receita corrente líquida, por exemplo, se encontra em 92,94% e muitos ajustes sobretudo precisam ser realizados. Santa Catarina vem fazendo um trabalho de ajustes fiscais, por exemplo, recentemente foi aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa de Santa Catarina uma reforma administrativa e outros projetos estão sendo discutidos neste sentido. 

Outro fator marcado como desafio catarinense é a questão dos desequilíbrios regionais. Apesar de contarmos com regiões bem organizadas, que fazem de Santa Catarina esta economia diversificada, é observado um desequilíbrio principalmente em aspectos sociais entre algumas microrregiões do interior e o litoral (aqui consideradas as regiões do Norte, Vale do Itajaí e Grande Florianópolis principalmente). Especialmente nas últimas décadas houve um movimento de migração da população do interior para o litoral. Dito isso, se forma um desafio a permanência da população no interior e também trabalhar o desenvolvimento econômico e social de algumas regiões que principalmente perderam competitividade frente ao cenário estadual.

Um ponto também que merece destaque é a questão da infraestrutura no estado. A exemplo disso, uma pesquisa realizada em 2018 pela Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina (FACISC) levantou as principais demandas da classe empresarial em um documento chamado Voz Única, no qual estão reunidas as demandas do setor produtivo no estado. Foram levantados 702 pleitos, entre eles 331 (47%) estão ligados a infraestrutura, principalmente a rodoviária. Santa Catarina como um estado produtor e exportador, demanda cada vez mais a utilização dos corredores viários que a cada ano vem registrando degradações.

Outro desafio para Santa Catarina é tratar da insuficiência do milho. Santa Catarina é o maior abatedor de suínos do país e o segundo maior abatedor de aves, além de comporem juntos 32% da pauta de exportação do estado. Sendo o milho o principal insumo para criação de suínos e aves, se faz necessário tratar deste tema para que o estado não perca competitividade neste segmento. Santa Catarina produz em média 3 milhões de toneladas de milho por ano e consome 7 milhões, este déficit é suprido em boa parte por estados da região Centro-Oeste do país, além da importação vinda do Paraguai e Argentina. Com isso, o custo logístico para trazer o principal insumo acaba afetando o custo da produção de proteína animal catarinense. Uma alternativa está sendo construída por Santa Catarina, Argentina e Paraguai, denominada Rota do Milho, que prevê uma redução do percurso do Centro-Oeste até Santa Catarina, dos atuais dois mil quilômetros para trezentos e cinquenta. Todos esses desafios passam por um conjunto de medidas que envolvem diversos atores e precisam ser trabalhados para que o estado continue crescendo e se desenvolvendo.

Considerações finais

O ano de 2019 é um ano desafiador como um todo para a economia nacional, no qual se pauta grandes reformas que o país precisa enfrentar e que carrega grande peso sobre a direção e o movimento econômico futuro do país. É necessário levar a gestão tanto pública como a privada a um nível de eficiência maior. Levar em consideração o aumento da produtividade e competitividade do país, passando por uma melhora no ambiente político e econômico. Não obstante, focar em políticas que visam gerar resultados que passam por reduzir as desigualdades, que sejam geradoras de emprego e que contribuam para o desenvolvimento econômico nacional. Como já dito, Santa Catarina, apesar de não estar isenta dos efeitos que a conjuntura nacional reflete sobre o estado, vem se destacando neste cenário, registrando resultados econômicos expressivos e este movimento tende a ser contínuo e presente tanto em 2019 como nos anos seguintes.

O momento requer bom senso, cautela e discernimento, porém é de considerar que é questão primordial e prioritária que possamos construir a base e a estrutura para um crescimento vigoroso e principalmente que seja sustentável no longo prazo.

 

[1] Dados de produção industrial extraídos da pesquisa industrial mensal – IBGE

[2] Com o agravamento do desemprego, as demandas por serviços públicos aumentaram fortemente no país, o que pressionou também o lado dos gastos, o que em momento de agravamento fiscal pode acelerar este processo de deterioração.