Artigo – Economia Regional no Contexto da Economia Nacional: a importância da Politica Nacional de Desenvolvimento Regional

Por Jandir Ferrera de Lima – Economista, Professor da UNIOESTE/Toledo – PR

O debate em torno do desenvolvimento regional brasileiro deve avançar cada vez mais. Apesar de a discussão estar continuamente em pauta, cabe refletir sobre o processo de desenvolvimento, as politicas públicas adotadas para estimular as regiões brasileiras e dirimir as desigualdades regionais, bem como os instrumentos que se utilizam ou se podem utilizar para fortalecer as economias regionais no contexto da economia nacional.

A importância do desenvolvimento regional e das economias regionais foi institucionalizada com a Constituição Federal de 1988, por meio da criação de mecanismos para diminuir as desigualdades regionais e ampliar a participação dos estados federados na economia nacional. Tanto que o artigo 3º da Constituição Federal traz como um dos objetivos fundamentais do Brasil “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Na sequencia, os artigos 170 e 174 da Constituição Federal legitimam o papel do Estado como agente normativo e regulador para a redução das disparidades sociais e regionais e construir planos de desenvolvimento regional. E, dentre as iniciativas para o Estado cumprir o seu papel constitucional, a criação dos Fundos de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), do Nordeste (FNE) e do Norte (FNO) foram a principal política para promoção do desenvolvimento regional. Os fundos constitucionais foram regulamentados pela Lei Federal nº 7.827, de 27 de setembro de 1989, com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico e social das regiões através de programas de financiamento do setor produtivo. A expansão do setor produtivo traria mais empregos formais, o aumento da arrecadação tributária e uma melhorar a distribuição de renda.

Para ilustrar a importância dos fundos de financiamento para o setor produtivo, basta observar o quadro da desigualdade na participação das macrorregiões e dos estados federados no valor da produção industrial no final do século XX, a partir dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Estado de São Paulo, que em 1907 detinha 16,5% do valor da transformação industrial brasileira ampliou essa participação para 51,2%, em 1997. No contexto da Região Sudeste, essa participação foi de 61,2% para 69,1% no mesmo período. O estado do Rio de Janeiro observou sua participação cair de 39,8% para 7,7%. A Região Sul, a segunda Região mais industrializada do Brasil, perdeu posição na transformação industrial de 21,8% para 18,2%. No Sul apenas o estado de Santa Catarina dobrou sua participação de 2% para 4,9%, enquanto o Rio Grande do Sul caiu de 14,9% para 7,8%. Para as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste o quadro foi mais grave, pois cairam de 17% para 12,7% de participação no valor da transformação industrial.

Mesmo frente a essas disparidades na industrialização do Brasil e a criação dos fundos constitucionais, as iniciativas no âmbito do desenvolvimento regional sempre foram isoladas e dispersas em diferentes ministérios e secretarias de estado. Mas, em 1999, como a criação do Ministério da Integração Nacional (MIN), atual Ministério do Desenvolvimento Regional, agrupando sob seu bojo o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF) e as Superintendências do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO) e do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), se iniciou mudanças nos padrões de formulação e operacionalização das políticas públicas brasileiras para impulsionar as economias regionais.

Em 2003, por meio de articulações do Ministério da Integração Nacional, foi lançada a proposta da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR),  oficializada pelo Decreto nº 6.047/2007. A PNDR definiu os princípios, os parâmetros e os critérios básicos para redução das desigualdades regionais com base na análise da realidade regional brasileira, a partir da qual o governo federal deveria orientar suas ações. Diferente das ações que marcaram o século XX, a PNDR tem viés territorial, redistributiva e com abordagens em múltiplas escalas, atuando preferencialmente nas regiões em situação de debilidade econômica e estagnação, com condições de vida insatisfatórias e expressivos fluxos migratórios para as grandes metrópoles. Ou seja, a escala deixou de ser exclusiva para as macrorregiões ou estados federados, mas em novas regionalizações focando regiões periféricas. Algumas dessas regiões periféricas possuem confluência entre vários estados ou são áreas de fronteira internacional, com indicadores socioeconômicos e institucionais bastante precários.

A mudança de escala regional preconizada pela Politica Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) demonstrou também que a existência de fundos constitucionais específicos e exclusivos para as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste não se justificavam, haja vista que as desigualdades em termos de renda e dinâmica econômica existem mesmo em estados com maior participação no Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Isso pode ser observado pela Figura 1.

 

Figura 01 – Tipologias sub-regionais níveis de renda versus níveis de variação do PIB per capita 2002/2004 e 2012/2014.

A Figura 1 demonstra que as Regiões Norte e Nordeste ainda são as mais fragilizadas no contexto do perfil de renda e dinamismo.  O Centro-Oeste teve avanços consideráveis nos últimos vinte anos, impulsionado pelo agronegócio. Mas, a Região Sul e Sudeste possuem áreas estagnadas ou de baixa renda no seu interior. Por isso, se propôs no Senado Federal a criação de uma nova Politica Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), conforme Projeto de lei nº 375/2015. Na proposta da nova PNDR, a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, com acesso diferenciado aos fundos constitucionais já existentes, é o diferencial para uma melhor distribuição territorial dos recursos financeiros do que o uso puramente setorial dos mesmos. Assim, além de criar um mecanismo de financiamento acessível a todas as regiões, esse mecanismo deve atender de forma igualitária o conjunto das regiões.

Um dos parâmetros desse fundo é justamente a acessibilidade a todas as regiões com problemas de dinamismo econômico ou de baixa renda, indiferente a localização espacial. Para capitalizar o novo fundo, a proposta é a utilização de recursos oriundos de impostos específicos e, em especial, da arrecadação de imposto sobre grandes heranças e doações. Considerando que uma reforma tributária se faz necessária no Brasil e sua discussão vem se arrastando há muito tempo, a criação de novos impostos ou o bloqueio de alguns já existentes para um fundo especifico exigirá a grande boa vontade dos entes federados e deve vir acompanhada de um amplo ajuste fiscal.

O diagnóstico e o debate para a criação de uma nova Politica Nacional de Desenvolvimento Regional convergiram para a necessidade de um fundo de financiamento nacional, mas o problema não se limita apenas a isso. A falta de financiamento para alguns empreendimentos, a descontinuidade das politicas públicas pelos governos estaduais e municipais e a alteração nos instrumentos utilizados para a implementação da PNDR também são fatores limitantes de avanços no desenvolvimento regional até então. A falta de financiamento não ocorreu apenas no âmbito de incentivo a empreendimentos locais, mas para a manutenção, conservação e ampliação de infraestruturas regionais, elemento essencial para fortalecer a competitividade e atratividade das regiões periféricas. As lições que ficam na formulação da nova Politica Nacional de Desenvolvimento Regional é que não se constrói uma economia nacional inclusiva e dinâmica, sem corrigir distorções no âmbito regional e, em especial, se as politicas públicas para o desenvolvimento regional não funcionarem.