Artigo – Sanatório geral

A quatro dias da eleição presidencial, diante da perspectiva de vitória do candidato Bolsonaro, o mercado financeiro permanece em estado de euforia, com a Bolsa de SP beirando os 86 mil pontos e o dólar refluindo de R$ 4,20 para R$ 3,70. Em sua coluna num conhecido periódico econômico, o prestigioso economista liberal Márcio Garcia, professor da PUC/RJ, ao analisar o sombrio cenário econômico mundial e a profunda crise econômica vivida pelo país, se surpreende com “a ausência de um debate verdadeiro sobre os nossos problemas e as ‘fake news’ desvirtuando o processo democrático” e se pergunta: “frente às tarefas hercúleas que caberão ao próximo presidente, fica difícil entender de onde o mercado tira tanto otimismo”.

Ora, Garcia, para o mercado, vale a chamada “Lei de Gerson”, se eu levo vantagem, que se lasque o país e o povo. Se há um candidato que vai privatizar tudo; fazer a Reforma da Previdência e retirar direitos dos assalariados (afinal, ou se tem emprego ou se tem direito), quem se importa com os direitos dos negros (o mais magro tem 15 arrobas); das mulheres (devem sim ganhar menos do que os homens, afinal, engravidam); dos LGBTs (prefiro meu filho morto a ser gay); dos assassinados pela Ditadura Militar (deviam ter matado 30 mil); dos nordestinos (coitadinhos); etc?

Para impulsionar o “candidato do mercado”, figura sinistra e inexpressiva, e que há apenas dois anos, na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, obteve pífios 4 votos entre 513 parlamentares, instaurou-se o vale tudo eleitoral, baseado numa gigantesca farsa financiada por empresários mafiosos.

E a primeira vítima é a própria história, como diz “Vai Passar”, o belo samba de Chico Buarque: “Num tempo, página infeliz da nossa história, passagem desbotada na memória, das nossas novas gerações”. A segunda é a nação e seu povo: “Dormia, a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída, em tenebrosas transações”. Enfim, o estandarte do sanatório geral vai passar.

Júlio Miragaya é vice-presidente da Associação dos Economistas da América Latina e do Caribe (AEALC)

  • Artigo publicado no Jornal de Brasília no dia 25/10/2018.