Artigo – Agricultura, defesa do consumidor e do emprego

No inicio dos anos 80, nas discussões, reuniões e debates na Associação Profissional dos Economistas do Distrito Federal (que posteriormente se transformou em Sindicato dos Economistas do Distrito Federal – SINDECON-DF), surgiram temas além dos pertinentes às relações de capital X trabalho. Por exemplo, a participação do SINDECON-DF na construção da CUT regional e da CUT nacional em São Paulo, em 1984, além outros temas diversos que vão além da luta de classes tradicional. Verdadeiros e sinceros temas que poderiam ser resumidos como sendo do rol da solidariedade entre classes sociais. Foi naquele ambiente que defendi e elaborei trabalhos em defesa da agricultura brasileira, em defesa do consumidor e a favor do emprego.

Sobre a agricultura. Em 1985, em defesa do crédito agrícola subsidiado.

O trabalho de seis laudas “CRÉDITO AGRÍCOLA E PRODUÇÃO AGRÍCOLA”, embora distribuído à grande imprensa, não foi publicado uma linha sequer sobre o assunto. Por quê? Antes de responder à pergunta, vamos a alguns dados do trabalho. O governo autoritário manteve até o fim uma relação dúbia e vacilante para com a agricultura brasileira. Ao mesmo tempo em que criava a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuaria), em abril de 1973, com a missão de pesquisar e desenvolver a agricultura e a pecuária nos diversos biomas nacionais, vinculou o Sistema Nacional de Credito Rural (SNCR), Lei 4.829, de 5/11/1965, à evolução dos Depósitos à Vista, ao mesmo tempo que criava a correção monetária, que alimentava a evolução dos haveres não-monetários.

PRINCIPAIS HAVERES FINANCEIROS – PARTICIPAÇÃO %- 1956- 1984

ANO

HAV.MON

PMPP

DV

HV N-MON

1956

87,80%

25,80%

62%

12,20%

1960

93,30%

22,30%

71%

6,70%

1965

86,50%

16,50%

70%

13,50%

1970

55,70%

10,60%

45,10%

44,30%

1975

38,10%

6,60%

31,50%

61,90%

1980

32,90%

6,10%

26,20%

67,10%

1984

10,90%

2,60%

8,30%

89,10%

Fonte: Conjuntura Econômica 39(6): 52, 1985, in Crédito Agrícola e Produção Agrícola de Carlos Magno, texto não publicado em 1985.

Os Depósitos à Vista (DV) saíram de 70% dos haveres monetários em 1965, para apenas 8,3% em 1984. Todo dinheiro da praça (Papel moeda em poder do Publico – PMPP) e Depósito à Vista, evaporou-se no período, transformando-se em haveres não monetários. Concomitante a isso, os contratos de crédito agrícola também entraram em decadência conforme tabela abaixo:

COEFICIENTE DE CRESCIMENTO ANUAL DO NUMERO DE CONTRATOS DE CREDITO AGRICOLA*

Períodos

%

I ( 1945, 1946…1964)

22,22%

II( 1965,1966…1984)

7,86%

Fonte: Nucleo de Estatistica da CREAI E FIBGE, *Exceto Pecuaria. in Credito Agricola e Produção Agricola, Texto de Carlos Magno e não publicado em 1985.

Dos 19 anos anteriores, ou seja, de 1945 a 1964, o coeficiente de crescimento do número de contratos de crédito agrícola foi de 22,22%. Nos 19 anos seguintes, foi de apenas 7,86%. Um declínio de 183%. Tudo isso somado resultou no desabastecimento nos supermercados nos anos 80 e numa hiperinflação dos produtos agrícolas. Conforme tabela abaixo:

INDICE DE PREÇOS DOS PRODUTOS AGRICOLAS x IGP

 1981

 1982

 1983

 1985*

IPA/IGP

10,60%

-0,30%

43,15%

50,70%

Fonte: Conjuntura Economica, FGV, * Agosto de 1985. in Credito Agricola e Produção Agricola, Texto de Carlos Magno de 1985.

Em 1985, o Índice de Preços dos Produtos Agrícolas superava em 50,70% o Índice Geral de Preços.

Por outro lado, os analistas do mercado acusavam os agricultores de terem “aversão ao risco”. Isto é, na visão desses, os agricultores teriam de enfrentar a taxa de juros de mercado. Um verdadeiro suicídio econômico. Os analistas não iam à raiz do problema: a falta de crédito subsidiado para agricultura no Brasil. Verifiquei a situação no mundo e notei que o crédito subsidiado à agricultura era uma regra saudável. Não quebra governo e nem quebra Banco. Ao contrário, o maior banco do mundo em 1979 era justamente um banco agrícola que subsidiava a agricultura, o CRÉDIT AGRICOLE francês. Verifiquei na literatura correlata e a justificativa era a seguinte: enquanto as atividades urbanas distribuíam o valor adicionado para dois fatores (capital e trabalho), na agricultura o valor adicionado precisa ser dividido para três fatores de produção: Terra (T) + Capital (C) + Trabalho (W). Esta aí o porquê da necessidade de se subsidiar a agricultura. Em qualquer pais decente.

Embora o artigo não tenha sido publicado, caiu em mãos boas e de cérebro adiantado. De modo que em setembro de 1986, menos de um ano após o artigo se divulgado intra muros, o Banco Central baixou a resolução 1.188, que criou a Poupança Rural no Brasil. Naquela época, restrita aos seguintes bancos: Banco do Brasil, Banco do Nordeste do Brasil, Banco da Amazônia e o extinto BNCC. Por que o artigo não fora publicado? Porque havia um verdadeiro cerco ideológico contra a agricultura brasileira. A área econômica do governo militar, de vez em quando, debitava ao preço do chuchu, do tomate, da cebola, a causa da inflação no Brasil. Há correlação. Mas não há causalidade. A causa, segundo alguns estudiosos do assunto, estava na emissão exagerada de moeda sem lastro no trabalho. E a sociedade estava contaminada com as estórias de Monteiro Lobato, em que o agricultor era uma espécie de JECA-TATU. E os analistas de mercado consideravam o agricultor um “sem-noção”. Naquela época não era fácil furar esse duplo bloqueio contra a agricultura brasileira: real e imaginário. De modo que quando vejo hoje a grande imprensa, em particular a Rede Globo, dizer que a agricultura é tech, que a agricultura é pop, fico muito esperançoso com o futuro da agricultura, uma vez que estamos superando os bloqueios imaginários e culturais urbanos contra a agricultura. Daí vem o abastecimento regular, com o bom comportamento dos preços dos alimentos no Brasil. Quem mais ganha com isso são os mais pobres, que fazem do seu pão de cada dia um bem de luxo. Que não podem adquirir bens básicos importados. A agricultura Brasileira de 1994 a 2013, segundo Rogerio E. Freitas e Marco A.A. Mendonça em “Expansão Agricola no Brasil e a Participação da Soja: 20 anos” in Revista de Economia e Sociologia Rural de JUL/SET de 2016, cresceu em área de uso agrícola para todas as lavouras em torno de 1,76% ao ano. Neste mesmo período, os números para a soja foram de 5,06% ao ano. O crédito dirigido e subsidiado tem crescido também de 2000 a 2015. Segundo Rogerio E. Freitas e Gesmar R. Santos em “Credito Agricola no Brasil Recente, Desafios e Oportunidade”, em 2000 o volume de credito a preços (INPC) de 2015 foi de R$ 41,42 bilhões de reais e em 2015 foi de R$ 154,14 bilhões de reais.

Mas a agricultura tem problemas. Os oligopólios de insumos e de fertilizantes, os atravessadores (Veja o livro A ERA DO CAPITAL IMPRODUTIVO, de Ladislau Dowbor, Ed. Outras Palavras, de 2017), a violência no campo (por falar de violência, a minha solidariedade aos familiares, amigos (as), eleitores (as) e admiradores da luta conta a desigualdade social de Mariellle Franco, executada em 14/3/2018 no Rio de Janeiro. Bem como minha solidariedade aos familiares e parentes da professora Helley de Abreu Batista ao dar a vida em 5/10/2017 pela vida de seus alunos na Creche Gente Inocente em Janaúba, Minas Gerais). A questão da infraestrutura: falta-lhe estrada, logística e transporte adequado à natureza particular dos produtos agrícolas.

Em Defesa do Consumidor

Em 1985 eu estava recém-casado, e ia aos supermercados com frequência. Notava que os preços dos alimentos industriais e naturais não paravam de crescer. Então fiz a sugestão de se criar um Banco de Dados em Defesa do Consumidor. Um superequipamento que gerenciasse os dados dos diversos supermercados para o qual se dirigiam os consumidores com a informação prévia do valor da cesta de bens. E não apenas de um produto. Como cada consumidor tem uma cesta de bens particular, o valor mais barato ganharia a sua preferência, de acordo com a localidade do supermercado e o custo de deslocamento até este. Eu acho que vai demorar um pouco mais o desenvolvimento da tecnologia para se aplicar esta ideia. É necessário um supercomputador (para gerenciar os dados do varejo) e um super smartphone (para comandar as escolhas do consumidor). Este artigo foi publicado no Correio Braziliense no dia 14/5/1985. Mas o artigo em Defesa do Consumidor, certamente foi um dos embriões da luta a favor da Defesa do Consumidor, consagrado como direito e garantia fundamental do cidadão, no artigo quinto da Constituição Brasileira de 1988. Posteriormente transformado em Lei .

Sobre o Emprego

A luta pelo emprego vem de longe mas os resultados não são bons. A questão do emprego no Brasil é pouco estudada com independência na academia. E pouco levada em consideração pelos sucessivos governos. Nós precisamos estudar mais e debater mais a questão do emprego no Brasil. Treze milhões de desempregados fazem falta ao equilíbrio da Previdência , ao consumo agregado e a pacificação das famílias brasileiras. Nós precisamos levar em consideração a história dos países onde esse tema é levado a sério, como o Japão (taxa de desemprego 2,8%) e os Estados Unidos (taxa de desemprego de 4%). A política monetária dos Estados Unidos tem dois mandatos: o de combater a inflação e o de combater o desemprego. O estado brasileiro, por exemplo (União, Estados e Municípios), emprega muito pouco, 11% da população ocupada, se comparado aos países da OCDE (20% da população ocupada). Há barreiras imaginarias e reais contra o emprego no Brasil. Esses obstáculos precisam ser removidos um a um a fim de que se tenha o pleno emprego no Brasil. A rigor, o Estado brasileiro não emprega apenas 11 milhões de funcionários públicos. Tem mais. São 50 milhões do Bolsa Família (por questões humanitárias, é defensável). Mais 1,8 milhões de rentistas possuidores de títulos públicos – sendo, esses últimos, credores ao longo do tempo de 5% a 7% da receita presente da União pelo pagamento de juros, e de 50% da receita futura no orçamento da união: com pagamento de amortização, renegociação e rolagem da dívida publica. A variável Z. Acontece que esses funcionários públicos ad hoc não dão qualquer contrapartida de trabalho à sociedade (como saúde, educação e segurança), como acontece com o funcionário publico tradicional. Em particular os rentistas. Os verdadeiros parasitas da nação. Outro dado interessante é que a produtividade do trabalho na Indústria Brasileira vem crescendo de 2000 a 2016, conforme Folha de São Paulo em 13.12.2017 (A24.Mercado). Parece-me que o que falta é demanda. O trabalhador desempregado e o sem carteira não terão jamais a mesma disposição de gastar do trabalhador formal, com carteira assinada e salário certo ao cabo do mês. Tudo indica que as elites e o capitalismo brasileiro estão invertendo a lei de Say. Em lugar de “a oferta cria a sua própria demanda” , no Brasil parece que a oferta está destruindo a própria demanda. Há algum tempo desmoraliza a Teoria Geral do Emprego, de Keynes. Sem teoria testada e provada, vamos viver de pequenos experimentos, com resultados em geral desastrosos para todos. Pelo Emprego!


Carlos Magno é economista e escritor.