Artigo – Pregando no deserto: o futuro da nação e a dívida pública bruta brasileira.

O editorial da Folha de 3/8/2017 com o título de “O que move a agenda” chama atenção dos leitores para o crescimento da dívida pública brasileira em relação aos dos países emergentes. Enquanto no Brasil a participação da dívida pública bruta saltou de 60,2% do PIB em 2013, cresceu 12,3% até 2015, passando pra 72,5%, e cresceu 21% em relação a 2013, ao novo patamar em 2017, ou seja, 81,2%. Enquanto nos países emergentes a participação da dívida pública tem crescido, porém a patamares inferiores, algo em torno de 50% a menos, respectivamente: 38,5% pra 2013, 44,3% em 2015 e 48,5% em 2017.

A Folha emite opinião de que esse tema esteja na agenda política de 2018 ou seja: “Difícil imaginar, portanto, como tal agenda possa ser deixada de lado por qualquer força política que ambicione o Palácio do Planalto – nas eleições de 2018 ou antes. Não se espera, afinal, que o reequilíbrio orçamentário e a redução do peso da dívida pública possam ser obtidos antes do início da próxima década, mesmo com o limite fixado para as despesas. Este, aliás, é o que mantém o fluxo de empréstimos ao Estado brasileiro”.

Eu advogo a favor de duas causas neste artigo. Primeiro: o peso da dívida pública brasileira está subestimado. Segundo: a sociedade, através de seus representantes, precisa refletir se deseja continuar torcendo inconscientemente para o caos do Estado e da economia no Brasil. Tenho a sensação de que vou pregar no deserto, como fez João Batista há 2000 anos.

Para questionar o peso da dívida pública brasileira sou forçado a fazer uma digressão. Retornar 35 anos da minha história de pesquisador da economia brasileira. Em 1982 escrevi a tese: Fundo de Financiamento da Propriedade Capitalista: o exemplo de seis países. Nessa, uma das deduções ali escritas é a de que o foco da relação estado/ economia deveria ser mudado para a relação Fundo de Financiamento da Propriedade Pública/ Economia Capitalista. E que este fundo teria teoricamente um limite. De lá para cá, a realidade mundial e brasileira mudaram bastante. O que me faz descrever uma emenda à tese de 1982.

Faltou medir o peso do fundo de financiamento da propriedade pública no capitalismo, seja por falta de tempo, oportunidade, dados e de amadurecimento científico que só vem com o tempo. Como diz o ditado popular, “o tempo é o senhor da razão”. Se o leitor for um pesquisador de Economia verá que a informação Dívida/PIB é uma informação incompleta para os estudiosos da Filosofia em Economia por que compara diretamente preços heterogêneos, ou seja, diretamente o preço da banana com o preço do abacaxi, uma massa de dados relativos a crédito e a taxa de juros com uma massa de dados relativa a preços em sua maioria da economia real (Nota(1): Podemos comparar diretamente preços de bens iguais ou preços de bens substitutos, preço da margarina com preço da manteiga, preço do álcool com o preço da gasolina etc.).

Então essa informação econômica, embora nos informe certa ordem de grandeza à vista, na sua essência está incompleta. A parcialidade da informação não fica apenas na dimensão Dívida Pública/PIB, mas estende-se para outro dado importantíssimo que é o do peso dos juros da dívida pública na economia, que tem sido medido também como Juros da dívida pública/ PIB, que pelas mesmas razões filosóficas trata-se de uma relação imprópria e uma das consequências é a de subestimar o peso dos juros da dívida pública na economia. Conforme o artigo “PDV não é alternativa para o ajuste fiscal”, de Júlio Miragaya, presidente do COFECON, os gastos  financeiros da União, estados e municípios tem oscilado entre R$ 400 a R$ 500 bilhões de reais nos últimos anos. Se fosse possível voltar à Praça da Piedade em Salvador/BA há trinta cinco anos atrás sugeriria que o peso do Fundo de Financiamento da Propriedade no Capitalismo obedece duas varáveis: CARGA DA DÍVIDA PÚBLICA BRUTA + CARGA TRIBUTÁRIA. Sendo a carga da dívida pública a razão simples entre o preço do abacaxi contra o preço do abacaxi no tempo ou no espaço, ou seja: JUROS DA DÍVIDA PÚBLICA BRUTA /DÍVIDA PÚBLICA BRUTA. 

Um estudo comparado entre as nações nos mostrara que o Brasil lidera com folga o ranking mundial de peso do Fundo de Financiamento da Propriedade Pública no Capitalismo. De fato, o Jornal GGN informa que o FMI fez um levantamento em 2013 com dados de 2011, o Brasil é o terceiro país do mundo em gasto com Juros da Dívida Pública medido pelo quociente Juros da Dívida Pública/ PIB. Sem dúvida medido pela Carga da Dívida Pública Bruta, assumiremos a liderança mundial. Essa liderança mais incomoda do que gera bem-estar a investidores, empreendedores, trabalhadores, consumidores, servidores públicos e a população em geral. A nação mesmo. De fato, para uma dívida bruta em 2017 estimada em R$ 4 trilhões de reais o gasto com juros deve girar em torno de R$ 500 bilhões de reais. Dividindo-se um pelo outro verifica-se que a CARGA DA DÍVIDA PÚBLICA NO BRASIL gira em torno de 12,5%. Mas a CARGA TRIBUTÁRIA, que gira em torno de 33%, resulta num PESO DO FFPPC brasileiro girando em torno de 45% do PIB. Isso sim precisa ser questionado, refletido e estudado pelas gerações presentes e futuras do nosso país, tendo em vista as eleições de 2018 e as seguintes até que se de o saldo de qualidade no controle do crescimento da dívida pública e da gestão fiscal no Brasil.

A segunda ideia a defender é que estamos torcendo inconscientemente para o caos. Ao não atentar para as forças que movem o peso tão elevado do FFPPC brasileiro. Tentarei ser mais claro: a dívida pública no Brasil tem sido um grande negócio ao longo do tempo. Na crise, esse negócio tem se tornado mais necessário e para isso precisa se torcer inconscientemente para o crescimento do déficit primário, para o crescimento da taxa de juros ou indexadores substitutos ou para o crescimento da inflação.

Quanto maior o déficit primário, a taxa Selic e índices de preços substitutos à Selic na indexação da dívida pública brasileira, tem sido maior a carga da dívida pública ou maior a carga tributária. Essa é a lógica perversa que garante o ranking brasileiro do maior peso para o FFPPC no mundo. Segundo a Exame/ Abril em 24.2.2017, em março de 2015 42,7% dos indexadores da dívida pública foram pré-fixados. Taxa flutuante (overnight) 4,69%. Indexado ao IPCA e IGP-M: 36,4%, Indexado ao câmbio 16,2% e outros 2,3%. De fato, se verificarmos a história do Déficit Primário Brasileiro, veremos que este cresce na crise. Em 2014 o déficit primário começa a se desenvolver no Brasil recente.

Carlos Magno – Economista e Escritor.