Artigo – Carnaval: síntese da economia criativa

Ainda que, no calendário, o carnaval de 2017 se inicie no sábado, dia 25 de fevereiro, estendendo-se até terça-feira, dia 28, na prática ações carnavalescas têm duração muito maior, tanto antes como depois dos dias considerados no calendário. Por essa razão – e por ter recebido interessante provocação do economista Paulo Galvão Jr., professor de Economia e de Economia Brasileira do IESP Faculdades, da Paraíba, a opção pela publicação deste artigo em meados de fevereiro.

O objetivo do artigo é mostrar a ampla e estreita relação entre o carnaval e a economia criativa, um campo de pesquisa que ganhou relevância neste início de século quer pela economia, quer pela criatividade, área pela qual se constitui, a meu juízo, na quinta geração[*].

No Reino Unido, onde surgiu com o nome de Indústrias Criativas, o Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS em inglês) proclamou treze setores da atividade britânica cultural e econômica que, nas palavras de John Newbigin, “representavam as duas maiores vertentes da economia criativa: as novas indústrias baseadas na criatividade e empreendimento, e as tradicionais indústrias culturais que eram a origem das criativas”. Os treze setores identificados foram:
•         Artesanato
•         Arquitetura
•         Artes Cênicas
•         Artes e antiguidades
•         Cinema
•         Design
•         Editorial
•         Moda
•         Música
•         Publicidade
•         Software
•         Software interativo de lazer (vídeo games)
•         Televisão e rádio

O Plano Nacional de Economia Criativa, por sua vez, publicado em 2012 pela Secretaria da Economia Criativa, que havia sido criada no âmbito do Ministério da Cultura, tendo por base as experiências e pesquisas realizadas pela Unesco e pela Unctad, propunha que a economia criativa abrangia os seguintes setores:

•         Música, filme e vídeo
•         TV e rádio
•         Mercado editorial
•         Design e moda
•         Artes visuais
•         Artes cênicas e dança
•         Cultura popular
•         Publicidade
•         Arquitetura
•         Jogos e animação
•         Gastronomia
•         Turismo
•         Tecnologia digital

Portanto, ainda que existam pequenas diferenças, é inegável a abrangência da economia criativa, que tem como matérias primas a inteligência e a criatividade humanas, recursos que, se bem trabalhados, tendem ao infinito. Sendo assim, com possibilidades praticamente ilimitadas, a economia criativa pode ser considerada revolucionária, no sentido de que põe em xeque uma das mais relevantes leis da economia – a lei da escassez.

O carnaval, que, juntamente com o futebol, constitui-se numa das mais conhecidas expressões culturais do Brasil, pode ser visto como uma síntese da economia criativa, uma vez que nas suas diversas formas de manifestação explora de forma extraordinária a inteligência e a criatividade do brasileiro, transformando em protagonistas, a cada ano, personagens que se destacaram de alguma forma nos cenários político, econômico e cultural, tanto no Brasil como no exterior.

Neste ano, por exemplo, personagens que tinham grande visibilidade nas manifestações carnavalescas de rua até o ano passado como os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, o japonês da Polícia Federal, e o presidente Barack Obama serão substituídos este ano por figuras que se projetaram neste ano, como Donald Trump, Michel Temer e, em São Paulo, o prefeito João Doria. Tais personagens aparecerão sempre de forma estilizada, revelando ousadia e bom humor.

Ao me referir às manifestações carnavalescas de rua, temos os super produzidos desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro e em São Paulo, os famosos trios elétricos de Salvador, os bonecos gigantes de Olinda e os blocos de carnaval que voltam a ganhar força em várias cidades do País, com destaque para o Galo da Madrugada, de Recife, e seu “filhote mais conhecido”, o Pinto da Madrugada, de Maceió. Se os desfiles de escolas de samba do Rio e de São Paulo perderam muito de sua autenticidade, deixando de ser expressão da cultura popular ao se tornarem superproduções televisivas, os blocos e os trios favorecem a diversidade cultural e a inclusão social, dois dos norteadores da economia criativa no Brasil.

Nessas diferentes formas de manifestação carnavalesca estão presentes diversos atores da economia criativa. Na música, desempenham papel fundamental os compositores, os puxadores de samba, os mestres de bateria, os instrumentistas e, por que não, os próprios espectadores, que consomem (ou baixam pela internet) os CDs com as letras dos sambas enredo das escolas de samba, muitas das quais exploram o riquíssimo folclore nacional. Nos trios elétricos e nos blocos, destaque-se a presença marcante de outros ritmos, como as marchas, o axé e o frevo.

Passando para os quesitos artes visuais, artes cênicas e dança, assistimos, ano após ano, um show de criatividade e bom gosto de designers, coreógrafos, estilistas, figurinistas, roteiristas, costureiros, maquiadores, artesãos, bailarinos e passistas.

Na retaguarda, nem sempre percebidos, mas também de papel relevante na preparação e execução dos serviços, estão os publicitários, os decoradores, os gráficos, os profissionais de rádio e TV, os chefs de cozinha e uma enorme gama de colaboradores da cadeia turística, envolvendo os segmentos de transporte, hospedagem, alimentação e entretenimento. Beneficiando-se do fluxo de turistas que acorrem às principais localidades com atrações carnavalescas, estão as atividades relacionadas ao patrimônio cultural e natural, tais como museus, sítios históricos e arqueológicos, paisagens culturais e patrimônio natural.

Evidentemente, para que todo esse potencial se realize de forma plena, é indispensável a garantia da segurança e do bem-estar de todos – protagonistas e figurantes – o que se constitui num dos maiores desafios do Brasil contemporâneo.

Trata-se o carnaval, portanto, de um legítimo representante da economia criativa, cujo enorme potencial, que teria tudo para colocar o Brasil num lugar de destaque em nível internacional, não vem, lamentavelmente, sendo devidamente explorado. Para tanto, seria essencial uma visão estratégica e marcos regulatórios claramente definidos por parte do governo federal, assim como uma ação articulada com estados, municípios e agentes dos diversos segmentos do setor privado.


Referências e indicações bibliográficas e webgráficas

FLORIDA, Richard. A ascensão da classe criativa. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011.
HOWKINS, John. Economia criativa: como ganhar dinheiro com ideias criativas. São Paulo: Makron Books, 2013.
MACHADO, Luiz Alberto. A criatividade, disciplina e instrumento chave na formação universitária: o caso de 20 anos criativos na FAAP. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Fernando Pessoa (Portugal) em julho de 2012.
NEWBIGIN, John. A Economia Criativa: Um Guia Introdutório. Tradução de Diana Marcela Rey e João Loureiro. Publicado pelo British Council (Série Economia Criativa e Cultural), 2010.
PLANO da Secretaria da Economia Criativa: políticas, diretrizes e ações, 2011 – 2014.Brasília: Ministério da Cultura, 2012.


Luiz Alberto Machado é Economista pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal) e vice-diretor da Faculdade de Economia da FAAP. Artigo originalmente publicado no Portal Café Brasil.

[*] As quatro primeiras são: 1ª. Pensamento Criativo, com ênfase em Desenvolvimento de Habilidades (anos 1950); 2ª. Solução Criativa de Problemas, com ênfase em Produtividade (liderança – Buffalo – década de 1960); 3ª. O Viver Criativo, com ênfase em Autotransformação (década de 1980); 4ª. Criatividade como Valor Social, com ênfase em Solução de problemas sociais, aberta à vida, à juventude, ao cotidiano (década de 1990).