Artigo – A crise econômica e o desenvolvimentismo

A recente substituição de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no Ministério da Fazenda tem gerado fortes críticas de vários economistas, afirmando que o novo ministro é um desenvolvimentista, por isso atribui pouca importância aos controles dos gastos e da dívida pública, que foi um dos autores da chamada “nova matriz macroeconômica”, política econômica fracassada do primeiro mandato da presidente Dilma e responsável pela grave crise econômica do país. Em todo esse discurso, o que seria consensual e o que seriam meros rótulos ou hipóteses?

De início, o fato da política econômica do primeiro mandato ter precedido a crise econômica atual não evidencia o quanto teria sido responsável por ela. Pelo menos como hipótese alternativa, deve-se considerar que, no final do mandato, alguns componentes da demanda agregada estavam sem força: (i) o consumo das famílias impulsionado pelas elevações do emprego e dos rendimentos do trabalho chegando ao seu limite; (ii) as exportações se ressentindo das quedas dos preços das commodities; (iii) os investimentos com restrições de financiamento, em função do encolhimento dos lucros retidos, e com retorno comprometido pela baixa competitividade industrial decorrente, sobretudo, do longo período de câmbio valorizado.

Nesse ambiente, tivemos uma eleição presidencial que foi ganha com votos de eleitores com pouco poder de expressão e perdida por segmentos muito ressentidos pela percepção de que outros ganharam mais que eles nos governos do PT. Piorando ainda mais a situação, ocorreram escândalos de corrupção paralisando e cancelando grandes projetos de investimentos, sobretudo da Petrobrás. Tivemos, assim, contestações e revoltas que minaram a confiança de todos, levando a retrações no consumo, nos investimentos e no PIB poucas vezes ocorridas no país. Sem toda essa retração, oriunda da crise política e dos escândalos de corrupção em um contexto de fragilidade da demanda agregada, não seriam os desajustes fiscais do primeiro mandato administráveis?

E o que teria a política econômica do primeiro mandato de desenvolvimentista? Não muito mais que um rótulo pregado pelos que não apoiam o ativismo econômico do Estado. Desenvolvimentismo seria precisamente esse ativismo para promover o desenvolvimento econômico, mas que ocorreu apenas de modo fragmentário na política econômica dos governos do PT. Em geral, tivemos algo mais próximo de um modelo de política econômica ortodoxo, herdado dos governos do PSDB e combinado a uma política de valorização do salário mínimo, com forte repercussão sobre os rendimentos do trabalho, suplementada por uma política social vigorosa. Não muito mais que isso, mas não foi pouca coisa. Promoveu uma elevação de bem-estar nunca vista nesse pais em tão poucos anos, com a extraordinária expansão da chamada nova classe média, que incluiu dezenas de milhões no mercado de consumo.

Porém, isso não é desenvolvimentismo, assim como não seria, propriamente, algumas “intervenções econômicas” do governo no primeiro mandato: (i) as desonerações foram, sobretudo, uma forma de sustentar a demanda agregada em períodos de retração, por isso os setores foram escolhidos pelos impactos que elas teriam na estrutura produtiva e mercado de trabalho; (ii) as intervenções, abertas ou veladas, para reduzir tarifas de energia elétrica e taxas básicas de juros, foram motivadas pelo propósito de trazê-las de níveis estratosféricos para valores mais próximos dos habitualmente observados no resto do mundo.

As políticas desenvolvimentistas do PT, a rigor, concentraram-se numa atuação mais ativa dos bancos públicos e em alguns projetos de infraestrutura. Faltaram outros ingredientes e um caráter mais estratégico. Muito mais desenvolvimentistas têm sido os gastos públicos dos EUA com P&D militares, pelo seu intensivo aproveitamento pelas empresas na produção de bens e serviços civis. Identificá-las com gastos públicos sem sustentação pela capacidade produtiva disponível e mobilizável na economia é um argumento levantado por desconhecimento ou para desqualificar. Enfim, em meio à atual crise de confiança, com peso cada vez maior atribuído a desajustes nas contas públicas, dificilmente o governo, com ou sem Nelson Barbosa, deixará de priorizar o ajuste fiscal. O desenvolvimentismo não é necessariamente incompatível com a sustentabilidade da dívida pública e à medida que viesse a promover o crescimento econômico, concorreria para reduzir a relação dívida/PIB.

Fernando de Aquino  – Doutor em Economia. Conselheiro Federal.