Debates abordaram principais entraves das economias latinas e caribenhas

No primeiro dia do seminário internacional “Modelo de Desenvolvimento para a América Latina e Caribe”, três palestras promoveram discussões sobre o Desenvolvimento; Integração Regional na América Latina e Caribe; e Modelo de Desenvolvimento, tema central do evento. As apresentações ocorreram das 10h às 17h30, nesta segunda-feira, 28 de novembro, no auditório do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro.

A palestra de abertura sobre “Desenvolvimento” foi ministrada pelo economista chileno e professor em Cambridge Dr. Gabriel Palma, que abordou as características da economia dos países latinos e caribenhos e seus principais entraves. Segundo o economista, há uma característica comum aos países da região: nenhum deles conseguiu manter um crescimento que fosse sustentável com o tempo. O que diferencia o Chile das demais economias é a rapidez na recuperação após um período de crise, segundo Gabriel Palma. Ele acredita que a produtividade é motor de desenvolvimento.  “No início dos anos 80, a média de produtividade do Chile e da Coréia era a mesma. Em 2012, todos os setores produtivos chilenos estavam muito atrás dos coreanos. Se olharmos setor por setor, vemos que deixamos para trás os investimentos em manufatura, o que é comum em toda a América Latina, e a manufatura é o grande diferencial entre o crescimento latino-americano e asiático”, explicou.

DSC06427 Gabriel Palma destacou que o Brasil é o país em que houve a maior queda de produtividade por produto de trabalhadores manufatureiros, comparando com América Latina, África e países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual fazem parte França, Portugal, Reino Unido, Noruega, entre outros. “É surpreendente o quanto deixamos para trás a manufatura, o que considero um vandalismo econômico, uma política basicamente destrutiva”, disse. O economista chileno informou que a produção manufatureira do Brasil é praticamente a mesma dos anos 80, com zero de crescimento. “Quem poderia imaginar que o Brasil, a economia mais dinâmica da América Latina e que era modelo de crescimento no terceiro mundo, seria dessa forma com a manufatura? ”, indagou.

Na visão de Gabriel Palma, o que distingue as economias latino-americanas do restante do mundo é a capacidade de gerar emprego. “De 1980 a 2014 fomos capazes de gerar empregos na mesma velocidade do PIB, enquanto nos demais países do mundo o índice não chega a metade do PIB”, explicou. Segundo o economista, tal feito tem um lado positivo, que é a própria geração de empregos, mas, por outro lado, são trabalhos precários que pagam salários mínimos e que têm baixo potencial de crescimento da produtividade, além disso, há pouco investimento nos trabalhadores e em inovação. “Quem pode pensar em economia crescendo de forma significativa quando o índice de investimento por trabalhador está estancado há 35 anos, como é o caso do Brasil? ”, questionou.

Modelo de Desenvolvimento

Moderada pelo presidente do Cofecon, Júlio Miragaya, a mesa de debate contou com a participação do economista colombiano Ruben D. Utria e dos economistas brasileiros João Sicsú e Ricardo Bielchowsky, ambos do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ruben Utria afirmou que o PIB não deve ser um indicador isolado de desenvolvimento. “Seguimos repetindo que o desenvolvimento equivale ao PIB, o que não permite saber se a produção é conveniente para o país ou como se reparte no plano social, territorial e tampouco ambiental. Esse indicador não nos diz nada do que precisamos saber sobre onde está o desenvolvimento e como fazê-lo”, disse. Utria comparou o indicador de PIB a um termômetro, que marca a intensidade de febre mas não explica porque ela se manifestou nem como curá-la.

João Sicsú argumentou que o desenvolvimento não é assunto exclusivo de economistas e que deveria ser debatido entre todas as áreas do conhecimento, de forma interdisciplinar. “É uma discussão que está muito além da economia e o fato de que só economistas tratem desse tema atrasa a construção de um projeto de desenvolvimento”, argumentou. O economista propôs dois conjuntos de políticas para construção de um projeto de desenvolvimento: públicas (envolvendo questões como saúde, educação, cultura e moradia, entre outras) e macroeconômicas. Na visão do economista, a separação se justifica porque todas as políticas públicas precisam de financiamento e quem abre o canal para que aconteçam são as macroeconômicas. No entanto, projeto de desenvolvimento jamais poderia ser reduzido a políticas macroeconômicas, na visão de João Sicsú. Ao abordar políticas monetária, cambial e fiscal como forma de sugerir medidas para o desenvolvimento, Sicsú defendeu taxa de juros baixa, controle da inflação mais detalhada do que é feita nos dias de hoje e o equilíbrio fiscal.

Ricardo Bielschowsky apresentou dois modelos de desenvolvimento futuro no plano produtivo para a América Latina e Caribe: economias de mercado interno grande (Brasil, Argentina e México): ampla reindustrialização orientada ao mercado interno e, secundariamente, às exportações; e economias relativamente menores: aproveitamento da riqueza de recursos naturais em bases distintas às que estão sendo empregadas atualmente. “Projetos nacionais só se sustentam quando inscritos na lógica política e na lógica dos processos socioeconômicos específicos de cada país”, defendeu.

Bielschowsky listou os desafios que acredita estarem postos pelas tendências em curso: contrapor-se à liberdade e volatilidade dos fluxos de capitais; corrigir o problema da baixa diversificação produtiva e exportadora; ampliar os investimentos em infraestrutura econômica e social; enfrentar a problemática ambiental e realizar adequada governança de recursos naturais.

Integração Regional

O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e o economista brasileiro Ricardo Ubiraci Sennes, coordenador do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (Gacint-USP) fecharam os debates do dia. O embaixador explicou todo o contexto histórico necessário para o entendimento do desenvolvimento da América Latina e a questão da integração, passando pelas relações entre antigas colônias e metrópoles, Segunda Guerra Mundial, hegemonia norte-americana mundial e início dos blocos econômicos. “O que acontece na prática é que a estratégia da economia norte-americana para integração da América Latina é diferente da estratégia de integração real de mercados e de criação de economias nacionais e regionais, como no caso do Mercosul. São duas estratégias distintas de desenvolvimento econômico e é natural que seja assim porque não interessa aos países altamente industrializados que surjam outros, mas sim fornecedores de matérias-primas; ou que sejam industrializados com o capital de megaempresas multinacionais”.

Já Ricardo Sennes afirma que integração regional é um assunto que nos convida a tirar a atenção da conjuntura e recuperar a ideia de que mesmo em períodos de crise a sociedade precisa encontrar fôlego para discussão de temas mais estratégicos. A apresentação esteve focada na dinâmica entre os países e decisões adotadas. “Na minha opinião, não acertamos em grande parte das decisões nesse campo econômico, acho que a não opção pela integração regional é um dos fatores críticos nesse processo”, destacou. Para Ricardo Sennes, a lógica da economia não é parte determinante na integração regional. “Olhar apenas a dimensão econômica do processo não o explica. O guarda-chuva fundamental é uma percepção geopolítica, de modelo de desenvolvimento, e pressupõe uma certa convergência geopolítica entre os países envolvidos e seu modelo de desenvolvimento. É multidimensional, na qual a economia é uma parte dela”, defendeu.