Carta de Curitiba
Com a temática “A apropriação e a distribuição da riqueza – desafios para o século XXI”, a 21ª edição do Congresso Brasileiro de Economia reuniu, de 9 a 11 de setembro de 2015, na cidade de Curitiba, economistas e especialistas do país, em evento que contou a presença de cerca de mil participantes.
O tema escolhido evidencia a preocupação do sistema Cofecon/Corecons, órgãos de representação da categoria, com os níveis alarmantes de concentração da riqueza no país, ao mesmo tempo em que estimula o debate que possa subsidiar políticas públicas que visem reduzir seus efeitos desfavoráveis ao bem-estar da sociedade brasileira.
Destaca-se que o período de realização do encontro caracteriza-se por grave crise econômica e política no Brasil, em meio a ambiente externo adverso – quedas de preço de nossas exportações e desaceleração da atividade econômica de parceiros comerciais importantes – e políticas econômicas contracionistas no país. A esse respeito manifestamos preocupação com a ênfase dedicada aos ajustes de curto prazo e a falta de um Projeto de Nação. O momento exige pronta capacidade de resposta e responsabilidade dos entes públicos e privados.
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, embora políticas de estabilização seguidas das de aumento do salário mínimo e de transferência de renda tenham contribuído para aliviar o problema. Mesmo assim, ranking elaborado pelo Banco Mundial, com dados relativos a 2011, mostra o país ocupando a 42ª posição de uma amostra de 45 países. Dados de riqueza são, infelizmente, escassos no Brasil, mas de acordo com a regularidade espacial e temporal observada nos países onde há informações, pode-se deduzir, com grande margem de segurança, que a concentração da riqueza é substancialmente maior que a concentração da renda. Nesse sentido, a Receita Federal divulgou dados do IRPF entre 2008 e 2014, mostrando que as 71.440 pessoas mais ricas do Brasil – que correspondem a 0,05% da população economicamente ativa e 0,3% do total dos declarantes do Imposto de Renda ganharam 14% de todos os rendimentos e acumularam 22,7% da riqueza de todos os contribuintes em bens e serviços financeiros (R$1,2 trilhão de patrimônio).
A literatura especializada é rica em mostrar os malefícios da desigualdade. Em países desiguais os pobres têm baixa representatividade política e, portanto, não têm seus interesses devidamente defendidos. A classe dominante, detentora do poder econômico e político, molda as regras do jogo ao seu favor e não se interessa em prestar serviços públicos de qualidade porque não os utiliza. Resulta desta situação subinvestimento na provisão de serviços públicos 44de saúde e educação básica, fazendo com que as crianças pobres estudem em escolas de mais baixo nível, dificultando o acesso à universidade e, consequentemente, aos melhores empregos. Sendo assim, a desigualdade de renda é também decorrente de desigualdade de oportunidades. Cabe observar, ainda, que o distanciamento das classes, ao enfraquecer a coesão social, contribui para o aumento da violência e conflitos, reduzindo a qualidade de vida e o bemestar social.
Até mesmo instituições conservadoras como o FMI têm mostrado que países mais desiguais apresentam menor crescimento econômico.
É evidente que algum grau de desigualdade vai sempre ocorrer e nem toda desigualdade deve ser combatida. Para o bom funcionamento da sociedade é recomendável que o mérito, decorrente de maior esforço, seja recompensado, de modo a estimular a produtividade, a inovação e o empreendedorismo. Contudo, conforme observa Stiglitz, há apenas “um grão de verdade” em acreditar que os mais abastados são os mais eficientes. Não são os grandes cientistas nem aqueles que fizeram os maiores benefícios à humanidade que predominam entre os mais ricos, mas principalmente os que herdaram fortunas e se beneficiam dos rendimentos do capital, sobretudo em sua forma financeira.
Pikkety, utilizando rica base de dados, mostra que há uma tendência de longo prazo de aumento de concentração de riqueza em muitos países, decorrente do fato do retorno sobre o capital ter sido maior que o crescimento do PIB. É razoável supor que essa tendência é potencializada no Brasil onde os altos juros que incidem sobre a dívida pública beneficiam um minúsculo número de detentores. Atualmente as despesas com juros correspondem a cerca de 8% do PIB, sendo esse um elemento poderoso de reprodução da concentração da riqueza no país. Dada essa problemática, recomendam-se as seguintes ações:
(i) Redução das desigualdades de oportunidade: (a) expansão e melhora da qualidade dos serviços públicos de saúde e educação básica; (b) promoção de maior inclusão financeira, facilitando o acesso ao crédito produtivo, articulada com política de educação financeira para que seja utilizado de forma responsável e planejada;
(ii) Maior justiça tributária através de uma política tributária mais progressiva, com impostos que incidam mais sobre a renda e menos sobre produção e consumo. Nesse particular, cabe observar que, no Brasil, os mais ricos pagam proporcionalmente menos impostos sobretudo porque parte expressiva da renda provem de lucros e dividendos, que são isentos. Trata-se de um caso incomum, quando se observa que são tributáveis em 33 dos 34 países da OCDE. Além disso, também deve compor essa política maior participação da tributação sobre patrimônio – sobretudo herança –e a criação de um imposto sobre grandes fortunas.
(iii) Maior divulgação, por parte da Receita Federal, de dados relativos a renda e patrimônio dos brasileiros, aplicados no país e no exterior – em linha com o que acontece em muitos países – respeitando o sigilo. A disponibilidade de dados é peça fundamental para o desenho de boas políticas públicas.
Por fim, cabem considerações sobre o momento delicado da economia atual, com recessão, deterioração da confiança de empresários e consumidores e aumento do desemprego frente a medidas de ajuste, com destaque para as seguidas elevações da taxa básica de juros, atualmente em 14,25% a.a., que têm inibido o investimento e aprofundado a retração econômica, além de aumentar a concentração da riqueza, conforme descrito anteriormente. Chamamos a atenção para a ênfase dedicada às medidas de curto prazo e a falta de articulação dessas políticas com um planejamento de longo prazo que eleve o padrão de vida dos brasileiros.
Dessa forma, avaliamos que a retomada sustentada do crescimento requer a mudança do “curto-prazismo” que tem dominado a política econômica nacional para a elaboração de um projeto de Brasil condizente com nossas potencialidades. Além de taxas de juros mais baixas, a orientação da política econômica deve ser de estímulo à formação bruta de capital fixo, através de concessões para infraestrutura, incentivos fiscais e creditícios, que promovam o adensamento de cadeias produtivas, inclusive em nível regional, de modo a reduzir os vazamentos de renda, e, ao mesmo tempo, que propiciem inovações e absorção de tecnologias que assegurem vantagens competitivas em vários setores, assegurando inserção mais favorável na economia globalizada. Recomendamos medidas em favor de uma reestruturação da matriz industrial, realizando investimentos em prol do desenvolvimento de setores de tecnologia avançada, beneficiando empresas de capital nacional. O desafio de superação da crise é proporcional à sua gravidade, exigindo responsabilidade institucional dos poderes executivo, legislativo e judiciário.